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05/12/13

POEMA DE MIGUEL TORGA



Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha (1907-1995), foi médico e um dos mais destacados poetas e escritores portugueses do século XX.

21/11/13

POEMA DE RUDYARD KIPLING

O poema seguinte, intitulado “Se” (If), do escritor inglês Rudyard Kipling (1865-1936), é considerado o poema mais conhecido e apreciado da literatura de língua inglesa.
  
Se consegues manter a calma
quando à tua volta todos a perdem
e te culpam por isso.

Se consegues ter confiança em ti
quando todos duvidam de ti
e aceitas as suas dúvidas

Se consegues esperar sem te cansares por esperar
ou caluniado não responderes com calúnias
ou odiado não dares espaço ao ódio
sem porém te fazeres demasiado bom
ou falares cheio de conhecimentos

Se consegues sonhar
sem fazeres dos sonhos teus mestres

Se consegues pensar
sem fazeres dos pensamentos teus objetivos

Se consegues encontrar-te com o Triunfo e a Derrota
e tratares esses dois impostores do mesmo modo

Se consegues suportar
a escuta das verdades que dizes
distorcidas pelos que te querem ver
cair em armadilhas
ou encarar tudo aquilo pelo qual lutaste na vida
ficar destruído
e reconstruíres tudo de novo
com instrumentos gastos pelo tempo

Se consegues num único passo
arriscar tudo o que conquistaste
num lançamento de cara ou coroa,
perderes e recomeçares de novo
sem nunca suspirares palavras da tua perda.

Se consegues constringir o teu coração,
nervos e força
para te servirem na tua vez
já depois de não existirem,
e aguentares
quando já nada tens em ti
a não ser a vontade que te diz:
"Aguenta-te!"

Se consegues falar para multidões
e permaneceres com as tuas virtudes
ou andares entre reis e pobres
e agires naturalmente

Se nem inimigos
ou amigos queridos
te conseguirem ofender

Se todas as pessoas contam contigo
mas nenhuma demasiado

Se consegues preencher cada minuto
dando valor
a todos os segundos que passam
tua é a Terra
e tudo o que nela existe
e mais ainda,
tu serás um Homem, meu filho!


14/10/13

POEMA DE LUÍS DE CAMÕES

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões (1524-1580)


12/08/13

POEMA DE CAMILO



Amigos

Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quási rotos.

Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!

Camilo Castelo Branco (1825-1890)

29/07/13

POEMA DE DAVID MOURÃO-FERREIRA

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos

E por vezes encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira (1927-1996)


28/03/13

POEMA DE BOCAGE



O filho do grão rei, que a monarquia
tem lá nos céus e que de si procede,
hoje mudo e submisso à fúria cede
de um povo, que foi seu, que à morte o guia.

De trevas, de pavor se veste o dia,
inchado o mar o seu limite excede,
convulsa a terra por mil bocas pede
vingança de tão nova tirania.

Sacrílego mortal, que espanto ordenas,
que ignoto horror, que lúgubre aparato!...
tu julgas teu juiz!... Teu Deus condenas!

Ah! Castigai, Senhor, o mundo ingrato;
caiam-lhe as maldições, chovam-lhe as penas,
também eu morra, que também vos mato.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

21/03/13

POEMA DE SOPHIA NO DIA MUNDIAL DA POESIA

UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

30/07/12

BOCAGE E OS MÉDICOS

Em período de férias, partilho alguns epigramas do poeta português Bocage (1765-1805) que, tal como Voltaire, tinha pouco apreço pelos médicos da sua época.

Certo enfermo, homem sisudo,
Deixou por condescendência
Chamar um doutor, que tinha
Entre os mais a preferência.

Manda-lhe o fofo Esculápio
Que bote a língua de fora,
E envia dez garatujas
À botica sem demora.

"Com isto (diz ao doente)
A sepultura lhe tapo."
Replica o pobre a tremer:
"Aposto que não escapo."

O pai enfermo e o doutor

Um velho caiu na cama;
Tinha um filho esculapino,
Que para adivinhações
Campava de ter bom tino.

O pulso paterno apalpa,
E receitar depois vai;
Diz-lhe o velho, suspirando:
"Repara que sou teu pai."

A moléstia e a receita

Para curar febres podres
Um doutor se foi chamar,
Que feitas as cerimónias,
Começou a receitar.

A cada penada sua
O enfermo arrancava um ai!
– "Não se assuste (diz Galeno),
Que inda desta se não vai."

– Ah! senhor! (torna o coitado,
Como quem seu fado espreita)
Da moléstia não me assusto,
"Assusto-me da receita."

Conselho a um impaciente

Homem de génio impaciente,
Tendo uma dor infernal,
Pedia, para matar-se,
Um veneno, ou um punhal.

– "Não há (lhe disse um vizinho
Velho que pensava bem),
Não há punhal, nem veneno;
Mas o médico aí vem."


A parca e o médico

– "Morte! (Clamava o doente)
Este mísero socorre."
Surge a Parca de repente,
E diz de longe: – "Recorre
Ao teu médico assistente."

A cura

Lavrou chibante receita
Um doutor com todo o esmero;
Era para certa moça,
Que ficou sã como um pero.

"Tão cedo! É milagre!"
A mãe (que de gosto chora)
"Minha mãe, não é milagre,
Deitei o remédio fora!"


O adeus do doutor

Um médico receitou:
Súbito o récipe veio.
Do qual no bucho do enfermo
Logo embutiu copo e meio,

– "Adeus até à manhã"
(Diz o fofo professor).
Responde o doente: – "Adeus
Para sempre meu doutor".

18/06/12

POEMA DE SOPHIA


LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

16/02/12

UM DIA BRANCO (POEMA DE SOPHIA)

Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

09/01/12

POEMA DE T. S. ELIOT

A Águia se ergue nos confins do Céu.
O Caçador com seus cães persegue-lhe o circuito.
Ó perpétua revolução de estrelas configuradas,
Ó perpétua recorrência de determinadas estações.
Ó mundo de outono e primavera, nascimento e morte!
O ciclo interminável da ideia e da ação,
Invenção perene, perpétua experiência,
Traz a noção do movimento, mas não a do repouso;
A ciência da fala, mas não a do silêncio;
A ciência das palavras, e a ignorância da Palavra.

Todo o nosso saber nos aproxima de nossa ignorância,
Toda a nossa ignorância nos acerca da morte,
Mais próximos da morte, e não mais perto de Deus.
Onde está a Vida que perdemos a viver?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
Os ciclos do Céu em vinte séculos
Nos afastam de Deus e nos acercam do Pó.

[ENGLISH]

The Eagle soars in the summit of Heaven.
The Hunter with his dogs pursues his circuit.
O perpetual revolution of configured stars,
O perpetual recurrence of determined seasons,
O world of spring and autumn, birth and dying!
The endless cycle of idea and action,
Endless invention, endless experiment,
Brings knowledge of motion, but not of stillness;
Knowledge of speech, but not of silence;
Knowledge of words, but not of the Word.

All our knowledge brings us nearer to our ignorance,
All our ignorance brings us nearer to death,
But nearness to death no nearer to God.
Where is the Life we have lost in living ?
Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?
The cycles of Heaven in twenty centuries
Bring us farther from God and nearer to the Dust.

T. S. Eliot (1888-1965)

08/12/11

O DOM DA VIDA

A vida é uma oportunidade: aproveita-a
A vida é uma beleza: admira-a
A vida é um dom: aprecia-o
A vida é um sonho: realiza-o
A vida é um desafio: aceita-o
A vida é um dever: assume-o
A vida é um jogo: joga-o
A vida é cara: preserva-a
A vida é um tesouro: conserva-o
A vida é um amor: saboreia-o
A vida é um mistério: aprofunda-o
A vida é uma promessa: cumpre-a
A vida é uma tristeza: ultrapassa-a
A vida é uma canção: canta-a
A vida é uma luta: trava-a
A vida é uma tragédia: enfrenta-a
A vida é uma aventura: ousa-a
A vida é uma sorte: merece-a
A vida é preciosa: não a destruas
A vida é VIDA: luta por ela!

Madre Teresa de Calcutá (1910-1997)


Life is an opportunity, benefit from it.
Life is beauty, admire it.
Life is bliss, taste it.
Life is a dream, realize it.
Life is a challenge, meet it.
Life is a duty, complete it.
Life is a game, play it.
Life is costly, care for it.
Life is wealth, keep it.
Life is love, enjoy it.
Life is mystery, know it.
Life is a promise, fulfill it.
Life is sorrow, overcome it.
Life is a song, sing it.
Life is a struggle, accept it.
Life is tragedy, confront it.
Life is an adventure, dare it.
Life is luck, make it.
Life is too precious, do not destroy it.
Life is life, fight for it.

29/08/11

POEMA DE LUÍS DE CAMÕES

Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Qualquer alma farão segura e forte;
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
Têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento,
E não sabe a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que vida e morte
Que não o alcança humano entendimento.

Doutos varões darão razões subidas,
Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser cridas,
E cousas cridas há sem ser passadas;
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

Luís de Camões (1525-1580)

13/05/11

POEMA DE FERNANDO PESSOA




A Criança Que Ri na Rua

A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo.


ENGLISH VERSION

The Child That Laughs In The Street

The child that laughs in the street,
The song one hears by chance,
The absurd picture, the naked statue,
Kindness without limit

All this exceeds the logic
Imposed on things by reason,
And it all has something of love,
Even if this love can't speak.

23/03/11

SEM NOME


Era tão pequeno, que ninguém o via.
Dormia, sereno, enquanto crescia.
Sem falar, pedia - porque era semente-
Ver a luz do dia
Como toda a gente.

Não tinha usurpado a sua morada.
Não tinha pecado; não fizera nada.
Foi sacrificado enquanto dormia;
Esterilizado com toda a mestria.

Antes que a tivesse, taparam-lhe a boca;
Tratado, parece, qual bicho na toca,
Não soltou vagido, não teve amanhã;
Não ouviu “Querido”…Não disse “Mamã”…

Não sentiu um beijo; nunca andou ao colo;
Nunca teve o ensejo de pisar o solo;
Pezito descalço, andar hesitante,
Sorrindo no encalço do abraço distante.

Nunca foi à escola, de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas com olhos de assombro.
Crianças iguais à que ele seria,
Não brincou com elas, nem soube que havia.

Não roubou maçãs, não ouviu os grilos;
Não apanhou rãs nos charcos tranquilos.
Nunca teve um cão, vadio que fosse,
A lamber-lhe a mão à espera do doce.

Não soube que há rios e ventos e espaços,
E invernos e estios, e mares e sargaços;
E flores e poentes, e peixes e feras
- as hoje viventes e as de antigas eras.

Não soube do mundo: não viu a magia.
Num breve segundo, foi neutralizado
Com toda a mestria, com as alvas batas,
Máscaras de entrudo, técnicas exactas.

Mãos de especialistas
negaram-lhe tudo
(o destino inteiro…)
- porque os abortistas
nasceram primeiro.

Poema de Renato de Azevedo

07/12/10

O INFANTE


             Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
             Deus quis que a terra fosse toda uma,
             Que o mar unisse, já não separasse.
             Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

             E a orla branca foi de ilha em continente,
             Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
             E viu-se a terra inteira, de repente,
             Surgir, redonda, do azul profundo.

             Quem te sagrou criou-te português.
             Do mar e nós em ti nos deu sinal.
             Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
             Senhor, falta cumprir-se Portugal!

                                      Fernando Pessoa

29/10/10

EM MEMÓRIA DOS NÃO-NASCIDOS


     Não sou nada.
     Nunca serei nada.
     Não posso querer ser nada.
     À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

     I am nothing.
     I shall never be nothing.
     I can’t want to be nothing.
     Apart from this, I have in me all the dreams in the world.
   
             Álvaro de Campos / Fernando Pessoa

[Entre Junho de 2009 e Julho de 2010, foram abortadas em Portugal 19.456 crianças!]