28/03/13

POEMA DE BOCAGE



O filho do grão rei, que a monarquia
tem lá nos céus e que de si procede,
hoje mudo e submisso à fúria cede
de um povo, que foi seu, que à morte o guia.

De trevas, de pavor se veste o dia,
inchado o mar o seu limite excede,
convulsa a terra por mil bocas pede
vingança de tão nova tirania.

Sacrílego mortal, que espanto ordenas,
que ignoto horror, que lúgubre aparato!...
tu julgas teu juiz!... Teu Deus condenas!

Ah! Castigai, Senhor, o mundo ingrato;
caiam-lhe as maldições, chovam-lhe as penas,
também eu morra, que também vos mato.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

25/03/13

O QUE É A MEDICINA?


Etimologicamente, a palavra medicina provém do vocábulo latino medicina e pode ser definida como «Arte e Ciência que estuda, conhece, previne e trata as doenças». Contudo, o termo arte não se refere às Belas Artes, como a pintura ou a escultura, ou ainda a poesia ou a música, que exprimem o sentimento estético. Tem um significado idêntico ao termo grego techné, que pode ser traduzido por perícia, competência ou habilidade. Na Grécia antiga e até ao fim do período medieval, a medicina era considerada um ofício artesanal, como a carpintaria, a tecelagem ou a pesca, em que o saber, de caráter essencialmente prático, se transmitia de pai para filho, ou de mestre para aprendiz, ao longo de gerações. Contudo, ao contrário de outras atividades artesanais, em que há habitualmente um processo criativo de produção de uma nova entidade, na medicina procura-se restaurar a integridade física e/ou mental do paciente. Edmund Pellegrino e David Thomasma definem a medicina como «a arte de curar que trabalha principalmente no corpo e através dele, para conseguir a integração da experiência de vida do paciente», que inclui a sua história pessoal e sistema de valores. Como refere também Daniele Cohn, «para o homem, a vida não é um bios, mas uma experiência vivida, ou seja, a vida no que ela tem de significativo».

Acerca da especificidade da medicina no campo dos saberes, Pellegrino considera que a medicina é a mais humana das ciências, a mais empírica das artes e a mais científica das humanidades. Jaime Celestino da Costa refere igualmente que «a medicina é uma profissão sui generis, de muitas vertentes […]: é humanística como origem; é humanitária como ação; é científica como formação; é biológica como matéria; é de tipo superior como educação; é profissional como atividade; é solidária como vocação; é ética como conduta, e é altruísta nos seus desígnios».

Pellegrino assinala que há uma diferença profunda entre ser médico e possuir uma licenciatura em medicina. Ser médico envolve um grau superior de compromisso e dedicação, que se manifesta no dia a dia e em qualquer lugar. É por este facto que a sociedade espera a pronta colaboração dos médicos sempre que esta seja necessária e urgente, mesmo que não estejam de serviço ou se encontrem longe das instituições onde habitualmente trabalham. O grau de licenciatura em medicina certifica a competência do médico para o exercício da profissão, mas é a promessa ou compromisso de utilizar as competências adquiridas ao serviço do doente que deve facultar-lhe acesso ao pleno exercício da sua atividade. Tal compromisso, em Portugal e em muitos outros países, tem lugar em cerimónia pública solene onde é lida uma versão adaptada do Juramento Hipocrático, o que denota a preocupação universal em reafirmar certos princípios de conduta na prática clínica, como a beneficência e a não-maleficência. Importa, porém, não esquecer que os códigos éticos e deontológicos, apesar de importantes, têm um valor limitado, pois, em última análise, dependem do caráter e consciência ética do profissional de saúde.

Talvez possamos sintetizar o cerne da ontologia da medicina de Pellegrino e Thomasma referindo que, para estes autores, a medicina clínica não se caracteriza por ser simplesmente uma ciência, uma arte ou uma profissão. É, acima de tudo, uma relação de confiança entre o paciente individual e o seu médico, que tem como objetivo final o bem do paciente. Distingue-se de outras atividades humanas na medida em que o seu propósito não é a obtenção de lucro, prestígio, ou poder, mas sim o bem integral do doente: «curar se possível, cuidar sempre, aliviar o sofrimento e promover a saúde». Conforme sublinha Jacqueline Lagrée, professora de filosofia da Universidade de Rennes, «se a preocupação de aliviar e de tratar não estão em primeiro lugar, mais vale não ser médico».

O texto anterior foi extraído do artigo que escrevi, intitulado “O conceito de filosofia da medicina em Pellegrino e Thomasma”, publicado na última edição da Revista de Bioética Latinoamericana (11: 82-99, 2013). Será enviada uma cópia do artigo por email a quem o solicitar para falemosdesaude@gmail.com

21/03/13

POEMA DE SOPHIA NO DIA MUNDIAL DA POESIA

UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

18/03/13

TIPOS DE DIABETES


Diabetes tipo 1

A Diabetes tipo 1 é causada pela destruição das células produtoras de insulina do pâncreas pelo sistema de defesa do organismo, geralmente devido a uma reação auto-imune. As células beta do pâncreas produzem, assim, pouca ou nenhuma insulina, a hormona que permite que a glicose entre nas células do corpo.

A doença pode afetar pessoas de qualquer idade, mas ocorre geralmente em crianças ou adultos jovens. As pessoas com Diabetes tipo 1 necessitam de injeções de insulina diariamente para controlar os seus níveis de glicose no sangue. Sem insulina, as pessoas com Diabetes tipo 1 não sobrevivem.

O aparecimento da Diabetes tipo 1 é, geralmente, repentino e dramático e pode incluir sintomas como sede anormal e secura de boca, micção frequente, cansaço/falta de energia, fome constante, perda de peso súbita, feridas de cura lenta, infeções recorrentes, visão turva

A Diabetes tipo 1 é menos frequente do que a Diabetes tipo 2 (menos de 10% dos casos de Diabetes), mas a sua incidência está a aumentar, e embora os motivos não sejam completamente conhecidos, é provável que se relacionem, sobretudo, com alterações nos fatores de risco ambiental.

Diabetes tipo 2

A Diabetes tipo 2 ocorre quando o pâncreas não produz insulina suficiente ou quando o organismo não consegue utilizar eficazmente a insulina produzida. O diagnóstico de Diabetes tipo 2 ocorre geralmente após os 40 anos de idade, mas pode ocorrer mais cedo, associada à obesidade, principalmente em populações com elevada prevalência de diabetes. São cada vez mais as crianças que desenvolvem Diabetes tipo 2.

A Diabetes tipo 2 pode ser assintomática, ou seja, pode passar desapercebida por muitos anos, sendo o diagnóstico muitas vezes efetuado devido à manifestação de complicações associadas ou, acidentalmente, através de um resultado anormal dos valores de glicose no sangue ou na urina.

A Diabetes tipo 2 é muitas vezes, mas nem sempre, associada à obesidade, que pode, por si, causar resistência à insulina e provocar níveis elevados de glicose no sangue. Tem uma forte componente de hereditariedade, mas os seus principais genes predisponentes ainda não foram identificados.

Há vários fatores possíveis para o desenvolvimento da Diabetes tipo 2, entre os quais obesidade, alimentação inadequada e inatividade física, envelhecimento, resistência à insulina, história familiar de diabetes, etc.

Ao contrário da Diabetes tipo 1, as pessoas com Diabetes tipo 2 não são dependentes de insulina exógena, mas podem necessitar de insulina para o controlo da hiperglicemia se não o conseguirem através da dieta associada a antidiabéticos orais. O aumento da prevalência da Diabetes tipo 2 está associado às rápidas mudanças culturais e sociais, ao envelhecimento da população, à crescente urbanização, às alterações alimentares, à redução da atividade física e a estilos de vida não saudável.
 
Fonte: Sociedade Portuguesa de Diabetologia

13/03/13

O DESEJO DE TER UM FILHO


 
A introdução da procriação medicamente assistida (PMA) em Portugal constituiu um dos maiores avanços tecnológicos, ao permitir satisfazer um dos principais desejos do ser humano: o de ter um filho.
 
Este documentário descreve os principais passos desse processo clínico,  apoiando-se em casos reais de casais que recorreram à PMA, e em especialistas de reconhecida competência, que analisam as principais questões éticas e jurídicas. Com o intuito de oferecer diferentes pontos de vista sobre o tema, este documentário estende um convite ao conhecimento, à reflexão e à discussão sobre as questões éticas na PMA em Portugal.
 
«O desejo de ter um filho – a PMA em Portugal» é um projeto conjunto de dois centros de investigação da Universidade Católica Portuguesa: o Instituto de Bioética e o Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes.

04/03/13

O PRAZER DE NÃO FUMAR



O tabagismo é a principal causa de morte prematura evitável nos países desenvolvidos. Em Portugal, morrem mais de 10.000 pessoas todos os anos por doenças relacionadas com o consumo do tabaco. As mais frequentes são as doenças cardiovasculares, como o enfarte do miocárdio e o acidente vascular cerebral, doenças oncológicas, como o cancro do pulmão e de muitos outros órgãos, e doenças respiratórias, como a bronquite, o enfisema e a doença pulmonar crónica obstrutiva.

Fumar afeta todos os órgãos e sistemas do corpo humano, pois o fumo do tabaco contém inúmeras substâncias prejudiciais como a nicotina, o monóxido de carbono, o alcatrão e mais de 100 outros componentes reconhecidamente cancerígenos como benzeno, nitrosaminas, formaldeído e cianeto de hidrogénio. A nicotina é uma substância estimulante do sistema nervoso e responsável pela dependência que o consumo do tabaco ocasiona. Promove o aumento do ritmo cardíaco, da tensão arterial e a libertação de substâncias responsáveis pela sensação de prazer que o tabaco proporciona. O monóxido de carbono é um gás altamente tóxico e poluente, também expelido pelos tubos de escape dos automóveis. Quando entra na corrente sanguínea, liga-se à hemoglobina, impedindo o transporte adequado de oxigénio às células e aumenta a viscosidade do sangue, facilitando a ocorrência de tromboses.

Quando se fuma, introduz-se diretamente nos pulmões uma atmosfera rica em partículas tóxicas, mais concentrada do que qualquer atmosfera poluída, urbana ou mesmo industrial. O consumo de 15 cigarros é suficiente para causar graves mutações genéticas, que potenciam o desenvolvimento de diversos tipos de cancro. O órgão mais atingido é o pulmão, mas o cancro oral, da laringe, esófago, estomago, pâncreas, bexiga, rim, fígado e colo do útero estão também relacionados com o tabagismo ativo ou passivo. As crianças que vivem em casa de fumadores têm maior risco de asma, alergias e infeções respiratórias, por vezes graves.


De todos os fatores de risco cardiovascular conhecidos, como a hipertensão arterial, a diabetes ou a obesidade, o tabagismo é o mais importante. Nos fumadores, o risco de ataque cardíaco e de acidente vascular cerebral é duas vezes superior ao dos não fumadores, o risco de impotência sexual é três vezes superior e o risco de morte súbita é cinco vezes mais elevado. Na minha experiência profissional como cirurgião vascular, quase todos os dias observo os efeitos dramáticos do tabagismo na circulação dos membros inferiores, levando muitas vezes à gangrena e amputação. O tabaco acelera ainda o processo de envelhecimento, o que se traduz no aspeto claramente mais envelhecido dos fumadores. Diversos estudos têm também revelado que fumar não tem um efeito relaxante e redutor do stress, mas pelo contrário cria ansiedade e prejudica a saúde mental.

O encanto e sedução associados ao consumo do tabaco, grandemente explorados pela poderosa indústria tabaqueira, não são mais do que publicidade enganosa que oculta a verdadeira face da doença, dependência e vício. Ainda que, muitas vezes, os efeitos nefastos do tabaco só se manifestem ao final de vários anos, pode-se afirmar, sem exagero, que não existem fumadores saudáveis.

A boa notícia é que vale a pena deixar de fumar, na medida em que diminui de imediato o risco de morte prematura, bem como o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, respiratórias e oncológicas, a médio e longo prazo. Ao fim de um ano de abstinência tabágica, o risco de doença coronária reduz-se para perto de metade, e ao fim de 15 anos, o risco de doenças cardiovasculares e cancro do pulmão passa a ser idêntico ao das pessoas que nunca fumaram.

A determinação de deixar de fumar é fundamental para se contrariar o desejo de fumar e abandonar definitivamente o vício. Existem atualmente consultas de cessação tabágica, por vezes constituídas por equipas multidisciplinares, que incluem apoio psicológico e nutricional. Em alguns casos pode estar indicado um tratamento farmacológico de curta duração.

O prazer de não fumar está relacionado com um melhor estado de saúde e qualidade de vida do que o dos fumadores. Traduz-se, entre outros aspetos, numa melhor capacidade respiratória e cardiovascular, melhor hálito e saúde oral, ou maior capacidade de se apreciar o sabor dos alimentos. Este prazer de não fumar está ao alcance de todos os fumadores que desejem verdadeiramente abandonar este hábito letal e descobrir uma nova sensação de bem-estar físico e mental.