23/03/11
SEM NOME
Era tão pequeno, que ninguém o via.
Dormia, sereno, enquanto crescia.
Sem falar, pedia - porque era semente-
Ver a luz do dia
Como toda a gente.
Não tinha usurpado a sua morada.
Não tinha pecado; não fizera nada.
Foi sacrificado enquanto dormia;
Esterilizado com toda a mestria.
Antes que a tivesse, taparam-lhe a boca;
Tratado, parece, qual bicho na toca,
Não soltou vagido, não teve amanhã;
Não ouviu “Querido”…Não disse “Mamã”…
Não sentiu um beijo; nunca andou ao colo;
Nunca teve o ensejo de pisar o solo;
Pezito descalço, andar hesitante,
Sorrindo no encalço do abraço distante.
Nunca foi à escola, de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas com olhos de assombro.
Crianças iguais à que ele seria,
Não brincou com elas, nem soube que havia.
Não roubou maçãs, não ouviu os grilos;
Não apanhou rãs nos charcos tranquilos.
Nunca teve um cão, vadio que fosse,
A lamber-lhe a mão à espera do doce.
Não soube que há rios e ventos e espaços,
E invernos e estios, e mares e sargaços;
E flores e poentes, e peixes e feras
- as hoje viventes e as de antigas eras.
Não soube do mundo: não viu a magia.
Num breve segundo, foi neutralizado
Com toda a mestria, com as alvas batas,
Máscaras de entrudo, técnicas exactas.
Mãos de especialistas
negaram-lhe tudo
(o destino inteiro…)
- porque os abortistas
nasceram primeiro.
Poema de Renato de Azevedo
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