Em período de férias, partilho alguns epigramas do poeta português Bocage
(1765-1805) que, tal como Voltaire, tinha pouco apreço pelos médicos da sua
época.
Certo enfermo, homem sisudo,
Deixou por condescendência
Chamar um doutor, que tinha
Entre os mais a preferência.
Manda-lhe o fofo Esculápio
Que bote a língua de fora,
E envia dez garatujas
À botica sem demora.
"Com isto (diz ao doente)
A sepultura lhe tapo."Replica o pobre a tremer:
"Aposto que não escapo."
O pai enfermo e o doutor
Um velho caiu na cama;
Tinha um filho esculapino,
Que para adivinhações
Campava de ter bom tino.
O pulso paterno apalpa,
E receitar depois vai;
Diz-lhe o velho, suspirando:
"Repara que sou teu pai."
A moléstia e a receita
Para curar febres podres
Um doutor se foi chamar,
Que feitas as cerimónias,
Começou a receitar.
A cada penada sua
O enfermo arrancava um ai!
– "Não se assuste (diz Galeno),
Que inda desta se não vai."
– Ah! senhor! (torna o coitado,
Como quem seu fado espreita)
Da moléstia não me assusto,
"Assusto-me da receita."
Conselho a um impaciente
Homem de génio impaciente,
Tendo uma dor infernal,
Pedia, para matar-se,
Um veneno, ou um punhal.
– "Não há (lhe disse um vizinho
Velho que pensava bem),
Não há punhal, nem veneno;
Mas o médico aí vem."
A parca e o médico
– "Morte! (Clamava o doente)
Este mísero socorre."
Surge a Parca de repente,
E diz de longe: – "Recorre
Ao teu médico assistente."
A cura
Lavrou chibante receita
Um doutor com todo o esmero;
Era para certa moça,
Que ficou sã como um pero.
"Tão cedo! É milagre!"
A mãe (que de gosto chora)
"Minha mãe, não é milagre,
Deitei o remédio fora!"
O adeus do doutor
Um médico receitou:
Súbito o récipe veio.
Do qual no bucho do enfermo
Logo embutiu copo e meio,
– "Adeus até à manhã"
(Diz o fofo professor).
Responde o doente: – "Adeus
Para sempre meu doutor".
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