A questão da solidariedade entre
diferentes camadas populacionais surge também noutra área, a da solidariedade
de estilos de vida. É sabido que há toda uma série de condições que dependem de
nós e que se ligam com os nossos comportamentos nas várias décadas que precedem
a velhice. Dizia La Bruyère que “a maioria dos homens emprega a melhor parte da
sua vida a tornar a outra miserável”. Com efeito, boa parte do que é o
envelhecimento decorre do estilo de vida que cada um assume no seu percurso.
Este facto levou a que se levantasse a questão da chamada solidariedade de
estilos de vida que corresponde à solidariedade dos que levam uma vida regrada
para com os que comprometeram a sua saúde pelo modo como viveram. Ora, há quem
defenda que a sociedade não tem de ser solidária para com os que se conduzem de
tal sorte que se transformam num encargo maior para a comunidade.
Este é um tema que se tornou mais
visível nos últimos anos, mas que é criticável no plano científico e no plano
ético. No campo científico porque as doenças que podem ser causadas por um
comportamento de risco podem reconhecer também outras causas. Por isso, quando
surge a doença num indivíduo concreto, não é fácil garantir que ela se deva
necessariamente ao seu comportamento. No plano ético são de ponderar vários
aspetos. Desde logo o facto de, na base de atitudes perigosas para a saúde,
poderem estar envolvidas causas genéticas ou mentais que condicionam as ações
da pessoa e pelas quais ela não é verdadeiramente responsável. É também de
ponderar que as limitações resultantes de um estilo de vida inapropriado são já
um ónus pesado para aqueles que lhe vão sofrer as consequências. Além disso, é
também um critério de justiça, porque todos podem precisar, mesmo aqueles de
vida regrada, pois isso não os torna imunes às doenças habitualmente associadas
a comportamentos de risco. Mas a razão mais importante é que, qualquer que seja
a pessoa e por maior que seja a sua degradação física ou mental, ela conserva
íntegra a sua dignidade original, a dignidade inerente a todo o ser humano,
dignidade que terá sempre de ser respeitada.
Finalmente, os que põem em causa aquela
solidariedade não tomam em consideração um curioso paradoxo. É que os que levam
uma vida regrada são geralmente mais longevos, andarão por cá muitos anos,
eventualmente gozando, durante muito tempo, de reformas e outros benefícios
distribuídos pela sociedade. Em contrapartida, os que põem em risco a sua
saúde, viverão menos e até poderão nem chegar à idade da reforma, assim
sobrecarregando menos a comunidade ou tendo sido mesmo contribuintes líquidos.
Prof. Doutor Henrique Vilaça
Ramos
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