10/03/14

SOLIDARIEDADE DE ESTILOS DE VIDA

A questão da solidariedade entre diferentes camadas populacionais surge também noutra área, a da solidariedade de estilos de vida. É sabido que há toda uma série de condições que dependem de nós e que se ligam com os nossos comportamentos nas várias décadas que precedem a velhice. Dizia La Bruyère que “a maioria dos homens emprega a melhor parte da sua vida a tornar a outra miserável”. Com efeito, boa parte do que é o envelhecimento decorre do estilo de vida que cada um assume no seu percurso. Este facto levou a que se levantasse a questão da chamada solidariedade de estilos de vida que corresponde à solidariedade dos que levam uma vida regrada para com os que comprometeram a sua saúde pelo modo como viveram. Ora, há quem defenda que a sociedade não tem de ser solidária para com os que se conduzem de tal sorte que se transformam num encargo maior para a comunidade.
 
Este é um tema que se tornou mais visível nos últimos anos, mas que é criticável no plano científico e no plano ético. No campo científico porque as doenças que podem ser causadas por um comportamento de risco podem reconhecer também outras causas. Por isso, quando surge a doença num indivíduo concreto, não é fácil garantir que ela se deva necessariamente ao seu comportamento. No plano ético são de ponderar vários aspetos. Desde logo o facto de, na base de atitudes perigosas para a saúde, poderem estar envolvidas causas genéticas ou mentais que condicionam as ações da pessoa e pelas quais ela não é verdadeiramente responsável. É também de ponderar que as limitações resultantes de um estilo de vida inapropriado são já um ónus pesado para aqueles que lhe vão sofrer as consequências. Além disso, é também um critério de justiça, porque todos podem precisar, mesmo aqueles de vida regrada, pois isso não os torna imunes às doenças habitualmente associadas a comportamentos de risco. Mas a razão mais importante é que, qualquer que seja a pessoa e por maior que seja a sua degradação física ou mental, ela conserva íntegra a sua dignidade original, a dignidade inerente a todo o ser humano, dignidade que terá sempre de ser respeitada.
 
Finalmente, os que põem em causa aquela solidariedade não tomam em consideração um curioso paradoxo. É que os que levam uma vida regrada são geralmente mais longevos, andarão por cá muitos anos, eventualmente gozando, durante muito tempo, de reformas e outros benefícios distribuídos pela sociedade. Em contrapartida, os que põem em risco a sua saúde, viverão menos e até poderão nem chegar à idade da reforma, assim sobrecarregando menos a comunidade ou tendo sido mesmo contribuintes líquidos.

Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos

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