“A laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata!”
Toda a gente conhece esta frase, que relaciona hipotéticos benefícios e/ou riscos da ingestão de laranjas com determinadas alturas do dia. Com efeito, o que esta frase pretende afirmar é que, se decidirmos comer laranjas, então a parte da manhã será a altura em que ela será mais benéfica, diminuindo ao longo do dia o seu efeito positivo, sendo mesmo perigosa a partir do pôr-do-sol…
Uma pesquisa da literatura
biomédica sobre este tema nada revelou, isto é, não há estudos científicos que
tenham analisado tal questão, pelo que nos resta apresentar e discutir a origem
deste “provérbio” (definido como uma sentença de carácter prático e popular, que
expressa em forma sucinta, e não raramente figurativa, uma ideia ou pensamento...)
e analisar sob o ponto de vista médico eventuais problemas com a ingestão de
laranjas.
A origem desta frase é
desconhecida, mas parece ter sido criada no século XIX, tendo adquirido vida
própria – como acontece tantas vezes – e estando hoje absolutamente disseminada
entre nós. Tem sido passada de geração em geração, condicionando de facto as
horas de ingestão deste citrino.
A laranja possui, para além da conhecida
vitamina C, muitos outros componentes (pectinas, açúcar, etc.), pelo que uma
análise exaustiva dos seus efeitos nutricionais seria impossível de fazer neste
texto. Uma coisa é certa: fisiologicamente falando, não faz qualquer sentido
pretender que a altura do dia em que se come laranjas influencia o seu efeito
sobre o organismo.
E que benefícios poderá haver em ingerir
laranjas? Vários: para além de uma dieta rica em frutas e vegetais ser recomendável
como parte de um esquema de prevenção do risco cardiovascular (como parte da
chamada dieta mediterrânica), por exemplo os doentes com nefrolitíase (“pedras
nos rins”) podem ter um efeito positivo, devido ao facto dos citrinos
diminuírem a formação das tais “pedras” (Kidney Int 2004;66:2402-10).
E a vitamina C? Este componente
das laranjas vem sempre a talho de foice quando se fala em dietas equilibradas
e é a justificação maior para a ingestão de laranjas (e limões, já assim). Faz parte
– juntamente com as vitaminas A e E – do grupo das chamadas vitaminas antioxidantes
e têm-lhe sido atribuídas as mais variadas propriedades benéficas.
No entanto, sob o ponto de vista científico,
a suplementação dietética de vitamina C é não só inútil, como potencialmente
prejudicial: não existe evidência científica que ela proteja contra o risco de
cancro (J Natl Cancer Ins 2009;101:14-23) e que seja útil para a prevenção da
doença coronária (JAMA 2008;300:2123-33) ou de acidente vascular cerebral (Ann
Intern Med 1999;130:963-70). E um outro mito que a vitamina C seria benéfica na
vulgar constipação não é apoiada por nenhum facto científico de boa qualidade (Cochrane
Database Syst Rev 2007 Jul 18;(3):CD000980).
Que concluir? Se gosta de
laranjas, pode comê-las à vontade, independentemente das horas a que o faz!
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Programa Harvard Medical School Portugal
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