Face ao progressivo aumento da
esperança média de vida, podemos perguntar se esta linha ascendente se vai
manter e até quando? Extrapolando a partir dos dados existentes, iremos
ultrapassar os 100 anos antes do fim deste século. Mas há motivos para duvidar
que assim seja. É que a civilização, que nos trouxe a melhoria das condições
responsáveis pela atual longevidade, vai provavelmente cobrar o seu preço.
Refiro-me especialmente à
obesidade, verdadeira epidemia das sociedades evoluídas que hoje já invade a
própria idade juvenil e pode constituir um poderoso travão do aumento da
expectativa de vida, quiçá a sua redução, pois é bem sabido que a obesidade
constitui um importante fator de risco de diversas patologias. Mas à obesidade
juntam-se outros elementos deletérios, como os comportamentos de risco (a praga
das drogas, os hábitos alcoólicos desde a juventude, o sexo promíscuo e
desprotegido, etc.) e também fatores de stress emocional, cada vez mais
numerosos na nossa sociedade, a ponto de se considerar que este será o século
das patologias de fundo emocional, como sejam: a escassez de postos de
trabalho, característica das sociedades evoluídas, geradora de uma competição
impiedosa e de sujeição a ritmos de trabalho excessivo que transmudam o
trabalho numa forma de desumanização ou
então lançam a pessoa no flagelo do desemprego de longa duração que é outra
forma, ainda mais grave, de desumanização; o fenómeno da urbanização de camadas
populacionais cada vez mais vastas, com a correspondente tensão das grandes
colmeias humanas e a formação de guetos sociais e de paradoxal isolamento, a
desestruturação das famílias que aumenta o número das pessoas em solidão e que leva a que “as poucas crianças, a quem
hoje é permitido nascer”, sejam “educadas numa precariedade familiar… difícil
de imaginar”. Todos estes fatores fragilizam o homem moderno e comprometem a
sua saúde, pondo em risco a linha de progressão contínua que temos vindo a
registar.
Mas há ainda outro elemento que
poderá intervir negativamente. Para ilustrar isto ocorre considerar a nossa
pirâmide etária que mostra uma redução drástica da população abaixo dos 25
anos. Ora, as necessidades da população idosa recaem, em larga medida, sobre as
pessoas entre os 25 e os 64 anos, que hoje correspondem a 55,1% da nossa
população. Quando se der a substituição da população ativa por esta população
jovem, muito mais reduzida, será problemático manter os níveis de cuidados que
hoje são prestados aos idosos, comprometendo assim a esperança de vida. Esta
dificuldade advém da reduzida natalidade portuguesa.
A queda da natalidade em Portugal
é progressiva desde há muitas décadas, pelo que a é já a mais baixa da Europa
ocidental, de tal sorte que desde 2007 temos menos nascimentos do que óbitos. E
não se diga que são as circunstâncias económicas que estão na base desta
reduzida natalidade, pois que no mesmo período de vinte anos o nosso produto
per capita cresceu para mais do dobro. É perturbador verificar que é nas
sociedades marcadas pela abundância que se verifica a queda da natalidade. Não
afirmo que haja uma relação necessária de causa e efeito entre estes dois
factos, mas não se pode negar esta evidência: são as “sociedades opulentas” as
que estão em risco por redução da sua população jovem. E se John Kenneth
Galbraith dizia que na sociedade opulenta não se pode fazer nenhuma distinção
válida entre os luxos e as necessidades, talvez possamos acrescentar,
parafraseando, que na sociedade opulenta os filhos deixam de ser uma necessidade
e passam a ser um luxo. Temos tendência a ver a árvore e não a floresta, o que
nos leva a crer que os nossos maiores problemas residem na situação financeira,
na estagnação da economia, no marasmo da justiça ou na educação deficiente que
proporcionamos a muitos dos nossos jovens. Mas o grande problema nacional é, na
verdade, esta bomba-relógio demográfica que já está nas nossas mãos
descuidadas, que não sabemos como desativar e que nem estudamos seriamente para
lhe encontrar soluções, talvez porque estas impliquem o desmontar de alguns
preconceitos ideológicos, tarefa em si mesmo difícil e por muitos indesejada. O
comentário adequado é a célebre frase “e pur si muove”, atribuída a Galileu. O
risco da falta de solidariedade intergeracional só pode vir a agravar-se nessas
circunstâncias, com os ainda ativos a perguntarem aos mais idosos como poderão
ajudá-los se eles são tão poucos para tantos velhos.
Prof. Doutor Henrique Vilaça
Ramos
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