06/03/14

A PROGRESSÃO DA ESPERANÇA DE VIDA

Face ao progressivo aumento da esperança média de vida, podemos perguntar se esta linha ascendente se vai manter e até quando? Extrapolando a partir dos dados existentes, iremos ultrapassar os 100 anos antes do fim deste século. Mas há motivos para duvidar que assim seja. É que a civilização, que nos trouxe a melhoria das condições responsáveis pela atual longevidade, vai provavelmente cobrar o seu preço.
 
Refiro-me especialmente à obesidade, verdadeira epidemia das sociedades evoluídas que hoje já invade a própria idade juvenil e pode constituir um poderoso travão do aumento da expectativa de vida, quiçá a sua redução, pois é bem sabido que a obesidade constitui um importante fator de risco de diversas patologias. Mas à obesidade juntam-se outros elementos deletérios, como os comportamentos de risco (a praga das drogas, os hábitos alcoólicos desde a juventude, o sexo promíscuo e desprotegido, etc.) e também fatores de stress emocional, cada vez mais numerosos na nossa sociedade, a ponto de se considerar que este será o século das patologias de fundo emocional, como sejam: a escassez de postos de trabalho, característica das sociedades evoluídas, geradora de uma competição impiedosa e de sujeição a ritmos de trabalho excessivo que transmudam o trabalho numa forma de desumanização  ou então lançam a pessoa no flagelo do desemprego de longa duração que é outra forma, ainda mais grave, de desumanização; o fenómeno da urbanização de camadas populacionais cada vez mais vastas, com a correspondente tensão das grandes colmeias humanas e a formação de guetos sociais e de paradoxal isolamento, a desestruturação das famílias que aumenta o número das pessoas em solidão  e que leva a que “as poucas crianças, a quem hoje é permitido nascer”, sejam “educadas numa precariedade familiar… difícil de imaginar”. Todos estes fatores fragilizam o homem moderno e comprometem a sua saúde, pondo em risco a linha de progressão contínua que temos vindo a registar.
 
Mas há ainda outro elemento que poderá intervir negativamente. Para ilustrar isto ocorre considerar a nossa pirâmide etária que mostra uma redução drástica da população abaixo dos 25 anos. Ora, as necessidades da população idosa recaem, em larga medida, sobre as pessoas entre os 25 e os 64 anos, que hoje correspondem a 55,1% da nossa população. Quando se der a substituição da população ativa por esta população jovem, muito mais reduzida, será problemático manter os níveis de cuidados que hoje são prestados aos idosos, comprometendo assim a esperança de vida. Esta dificuldade advém da reduzida natalidade portuguesa.

A queda da natalidade em Portugal é progressiva desde há muitas décadas, pelo que a é já a mais baixa da Europa ocidental, de tal sorte que desde 2007 temos menos nascimentos do que óbitos. E não se diga que são as circunstâncias económicas que estão na base desta reduzida natalidade, pois que no mesmo período de vinte anos o nosso produto per capita cresceu para mais do dobro. É perturbador verificar que é nas sociedades marcadas pela abundância que se verifica a queda da natalidade. Não afirmo que haja uma relação necessária de causa e efeito entre estes dois factos, mas não se pode negar esta evidência: são as “sociedades opulentas” as que estão em risco por redução da sua população jovem. E se John Kenneth Galbraith dizia que na sociedade opulenta não se pode fazer nenhuma distinção válida entre os luxos e as necessidades, talvez possamos acrescentar, parafraseando, que na sociedade opulenta os filhos deixam de ser uma necessidade e passam a ser um luxo. Temos tendência a ver a árvore e não a floresta, o que nos leva a crer que os nossos maiores problemas residem na situação financeira, na estagnação da economia, no marasmo da justiça ou na educação deficiente que proporcionamos a muitos dos nossos jovens. Mas o grande problema nacional é, na verdade, esta bomba-relógio demográfica que já está nas nossas mãos descuidadas, que não sabemos como desativar e que nem estudamos seriamente para lhe encontrar soluções, talvez porque estas impliquem o desmontar de alguns preconceitos ideológicos, tarefa em si mesmo difícil e por muitos indesejada. O comentário adequado é a célebre frase “e pur si muove”, atribuída a Galileu. O risco da falta de solidariedade intergeracional só pode vir a agravar-se nessas circunstâncias, com os ainda ativos a perguntarem aos mais idosos como poderão ajudá-los se eles são tão poucos para tantos velhos.

Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos

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