03/03/14

A IMORTALIDADE DO SER HUMANO


Há quem conceba o envelhecer como doença, daí decorrendo a marcha progressiva para a morte. A aceitar essa perspetiva, pode admitir-se que, do mesmo modo como temos vindo a tratar e curar cada vez mais doenças, também o envelhecimento será curável ou prevenível. Então, será o Homem potencialmente imortal? Os teólogos já sabiam da imortalidade do Homem, mas o que aqui se pondera é a imortalidade do corpo humano, a imortalidade biológica. Esta perspetiva vai ao arrepio do que é a experiência humana ao longo dos milénios. Isso mesmo vimos em Séneca que afirmava ser a velhice uma doença incurável. Neste contexto, poderíamos citar também  Heidegger e a sua famosa frase “Sein zum Tode”, exprimindo igualmente a ideia de que o Homem é um ser para a morte (ou que está à morte, segundo outra tradução). Também Galeno na Grécia, o chinês Ge Hong, que viveu no séc. IV, Roger Bacon, já do séc. XIII, e muitos outros antigos acreditaram na imortalidade do Homem. Mas como acentuou Olshansky, o que há de comum a todos eles é que estão mortos. Nos nossos dias, tornou-se célebre Aubrey de Grey, geneticista de Cambridge, porventura o mais mediático dos defensores desta potencial imortalidade, que afirmou: “a maioria das pessoas que hoje têm 40 anos ou menos, pode esperar viver séculos” e também “a primeira pessoa a viver 1.000 anos pode ter neste momento 60 anos”.

A nível celular a imortalidade não surpreende: aí a temos nas células tumorais, ainda que a prazo elas levem à morte da pessoa, embora não através de um mecanismo de envelhecimento. Contrapondo-se à ideia de que tudo no universo envelhece, há quem traga à colação argumentos colhidos em diferentes formas de vida. Na verdade, certas plantas têm uma longevidade de milhares de anos. Assim, na Tasmânia, descobriu-se uma espécie de azevinho, a lomatia tasmanica, com 43000 anos e nada indica que ela venha a morrer. Também nos vertebrados há longevidades surpreendentes. A tartaruga gigante, como é sabido,  vive centenas de anos e há especialistas que julgam poder ir até aos 5000 anos. Por sua vez, a lagosta nunca mostra sinais de envelhecimento e há especialistas que admitem ser ela intrinsecamente imortal  e que só morre porque algo exterior a impediu de viver.  Ela cresce sempre, o que complica a sua vida, pois torna-se mais visível aos predadores. A lagosta nunca perde a fertilidade; pelo contrário, torna-se mais fértil à medida que os anos passam.

O gene FoxO tem sido relacionado com a capacidade de não envelhecer. Um dos dados mais recentes a sustentar esta relação foi encontrado na hydra, um animal da classe dos protozoários, considerado potencialmente imortal e que tem sido objeto de estudos sobre a senescência. Julga-se que a sua faculdade de manter células estaminais com permanente capacidade de proliferação ao longo da vida está na base dessa ausência de envelhecimento. Um estudo publicado no final do ano passado  mostrou relação entre a capacidade proliferativa das células estaminais e o gene FoxO. Ora, nos seres humanos centenários, têm sido encontrados altos níveis funcionais desse gene.

Os resultados que referi parecem sustentar a conjetura da potencial imortalidade do Homem, mesmo sabendo que não é possível transpor linearmente para a espécie humana o que se verifica noutras espécies, sobretudo nas mais afastadas no leque evolutivo. Mas ainda que se confirmasse esta muito discutida hipótese, a sobrevivência do Homem seria sempre limitada por causas externas – acidentes, condições ambientais, etc. – que, como postulou Medawar, atuariam determinando uma redução dos sobrevivos segundo um ritmo constante e inexorável (o chamado declínio exponencial), incompatível com uma existência perene.

Como sublinha Olshansky, que contesta o mito da imortalidade, “na gerontologia nada indica que se cumpra a promessa de uma vida extraordinariamente prolongada”   e, de facto, a idade máxima atingida pela vida humana tem-se mantido com muito pequena variação ao longo da história, com a francesa Jeanne Calment a atingir a idade de 122 anos e 5 meses, o máximo conhecido até hoje.

Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos

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