25/02/14

O QUE É A VELHICE?

Mas de que falamos quando falamos de velhice? Muito na linha de Peter Medawar, de Alex Comfort e de Bernard Strehler, pode dizer-se que a senescência corresponde ao aumento progressivo da vulnerabilidade a todo o tipo de agressões que incidem sobre nós, de que resulta também, com o passar dos anos, o incremento da probabilidade de morte. Embora, segundo estes autores, a morte nunca seja “natural”, na prática pode considerar-se que ela resulta da senescência progressiva da pessoa e é o desembocar natural do seu percurso biológico. Um octogenário, cuja filha andava preocupada com a possibilidade de ele morrer de repente, comentou com perspicácia: “Depois dos 80 já ninguém morre de repente…”. Séneca, contemporâneo de Cristo, já tinha dito: a morte não se abate sobre nós repentinamente, avança lentamente (non repente nos in mortem incidere sed minutatim procedere). E acrescentou morremos diariamente (quotidie morimur).

Poderá perguntar-se: mas há alguma fronteira a partir da qual se entra na velhice? Obviamente que para ser velho não é preciso chegar à fase a que John Kenneth Galbraith chamou “síndrome do ainda” (still syndrome). Essa é a situação que se verifica quando a pessoa começa a ouvir dizer: “Então, ainda a dar o seu passeio?” ou “Ainda interessado na política?”... É um ainda que não consegue esconder a exclamação, não formulada, mas subentendida: “Afinal, ainda não morreu!”.

Para os demógrafos, a anciania é estabelecida geralmente nos 65 anos. Mas esta é uma convenção que pode vir a ser alterada, tendo em conta a nossa sobrevivência cada vez maior e o facto de nos mantermos de boa saúde até mais tarde. Já o Estado determina uma espécie de velhice oficial: a da idade da reforma.

No plano biológico, pode considerar-se que o processo de envelhecimento começa no zigoto, mas é obviamente um absurdo chamar velho a uma criança, ainda que na nossa língua digamos que uma criança de 2 anos é mais velha que uma de um ano, reconhecendo afinal que a velhice já está presente na infância. Mas não sendo no zigoto, onde situar a marca biológica a partir da qual se entra na velhice? Poderia dizer-se que, na mulher, a fronteira da velhice é a menopausa. E no homem? Nele não é aceitável a existência de uma andropausa, se a pensarmos como um processo rápido, semelhante ao que ocorre no organismo feminino, correspondente à perda da capacidade reprodutora. Por isso, não há no homem uma fronteira tão nítida em termos biológicos que permita situar nela o início do envelhecimento. É possível invocar outros indicadores biológicos do envelhecimento, como é o caso do declínio do sistema imunitário, em grande parte dependente da involução do timo que é total aos 60 anos, mas que também é progressiva a partir da juventude.

A verdade é que não se pode traçar uma fronteira precisa para o início da velhice, nem biológica, nem sociológica. A própria perceção da velhice tem variado ao longo do tempo. Se no império romano a expectativa de vida rondava os 30 anos, seria aceitável considerar anciãos os que atingiam os 40. Com a muito maior longevidade atual, também a fronteira da velhice se deslocou muito para diante, o que é um dos aspetos novos do envelhecimento na espécie humana. Hoje é comum ouvir-se dizer de alguém que faleceu: “era novo, só tinha 60 anos”. Este caráter subjetivo da perceção do início da velhice, verifica-se também em relação à idade da pessoa que fala. Desde sempre que, para os jovens, o conceito de velhice é diferente da opinião de uma pessoa mais avançada em anos. Foi nessa linha que Bernard Baruch pôde dizer: "Nunca serei velho. Para mim, a velhice começa 15 anos depois da idade em que estiver".

Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos

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