Mas de que falamos quando falamos
de velhice? Muito na linha de Peter Medawar, de Alex Comfort e de Bernard
Strehler, pode dizer-se que a senescência corresponde ao aumento progressivo da
vulnerabilidade a todo o tipo de agressões que incidem sobre nós, de que
resulta também, com o passar dos anos, o incremento da probabilidade de morte.
Embora, segundo estes autores, a morte nunca seja “natural”, na prática pode
considerar-se que ela resulta da senescência progressiva da pessoa e é o
desembocar natural do seu percurso biológico. Um octogenário, cuja filha andava
preocupada com a possibilidade de ele morrer de repente, comentou com perspicácia:
“Depois dos 80 já ninguém morre de repente…”. Séneca, contemporâneo de Cristo,
já tinha dito: a morte não se abate sobre nós repentinamente, avança lentamente
(non repente nos in mortem incidere sed
minutatim procedere). E acrescentou morremos diariamente (quotidie morimur).
Poderá perguntar-se: mas há
alguma fronteira a partir da qual se entra na velhice? Obviamente que para ser
velho não é preciso chegar à fase a que John Kenneth Galbraith chamou “síndrome
do ainda” (still syndrome). Essa é a
situação que se verifica quando a pessoa começa a ouvir dizer: “Então, ainda a
dar o seu passeio?” ou “Ainda interessado na política?”... É um ainda que não
consegue esconder a exclamação, não formulada, mas subentendida: “Afinal, ainda
não morreu!”.
Para os demógrafos, a anciania é
estabelecida geralmente nos 65 anos. Mas esta é uma convenção que pode vir a
ser alterada, tendo em conta a nossa sobrevivência cada vez maior e o facto de
nos mantermos de boa saúde até mais tarde. Já o Estado determina uma espécie de
velhice oficial: a da idade da reforma.
No plano biológico, pode
considerar-se que o processo de envelhecimento começa no zigoto, mas é
obviamente um absurdo chamar velho a uma criança, ainda que na nossa língua
digamos que uma criança de 2 anos é mais velha que uma de um ano, reconhecendo
afinal que a velhice já está presente na infância. Mas não sendo no zigoto,
onde situar a marca biológica a partir da qual se entra na velhice? Poderia
dizer-se que, na mulher, a fronteira da velhice é a menopausa. E no homem? Nele
não é aceitável a existência de uma andropausa, se a pensarmos como um processo
rápido, semelhante ao que ocorre no organismo feminino, correspondente à perda
da capacidade reprodutora. Por isso, não há no homem uma fronteira tão nítida
em termos biológicos que permita situar nela o início do envelhecimento. É
possível invocar outros indicadores biológicos do envelhecimento, como é o caso
do declínio do sistema imunitário, em grande parte dependente da involução do
timo que é total aos 60 anos, mas que também é progressiva a partir da
juventude.
A verdade é que não se pode
traçar uma fronteira precisa para o início da velhice, nem biológica, nem
sociológica. A própria perceção da velhice tem variado ao longo do tempo. Se no
império romano a expectativa de vida rondava os 30 anos, seria aceitável
considerar anciãos os que atingiam os 40. Com a muito maior longevidade atual,
também a fronteira da velhice se deslocou muito para diante, o que é um dos
aspetos novos do envelhecimento na espécie humana. Hoje é comum ouvir-se dizer
de alguém que faleceu: “era novo, só tinha 60 anos”. Este caráter subjetivo da
perceção do início da velhice, verifica-se também em relação à idade da pessoa
que fala. Desde sempre que, para os jovens, o conceito de velhice é diferente
da opinião de uma pessoa mais avançada em anos. Foi nessa linha que Bernard
Baruch pôde dizer: "Nunca serei velho. Para mim, a velhice começa 15 anos
depois da idade em que estiver".
Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos
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