16/09/13

QUESTÕES ÉTICAS NOS RASTREIOS EM SAÚDE

O texto seguinte, escrito pelo Prof. Walter Osswald, foi publicado pelo jornal Público em 26.06.2013.

Nos últimos tempos, e sem dúvida com a intervenção de casos ou figuras mediáticas, tem-se debatido o papel em saúde pública dos variados rastreios que é possível levar a cabo, no intuito de detetar precocemente situações de doença que possam ser tratadas em tempo útil – ou até diagnosticar riscos elevados de contrair determinada doença, em indivíduo sem manifestações patológicas, que se pode pois considerar são.

Os rastreios parecem reunir todas as condições para serem incentivados e levados à prática: é óbvio que a Medicina vê na prevenção uma das suas mais prementes e importantes tarefas. Se o auto-exame, as consultas médicas a intervalos regulares e a realização de ecografias e mamografias são hoje consideradas medidas aconselháveis a toda a população feminina de certos estratos etários (limite mínimo geralmente estabelecido nos 40 anos) para diagnóstico precoce do cancro da mama, não é possível falar-se de um plano nacional que configure essas mesmas medidas.

De forma similar, o despiste de lesões malignas ou pré-malignas do cólon (por colonoscopia, recomendada a partir dos 50-60 anos, a realizar a intervalos regulares) não encontrou institucionalização no âmbito do plano nacional de saúde. Ainda menos se vislumbra a eventualidade de incluir nesse plano outros rastreios, como o do cancro da próstata ou o do melanoma cutâneo.

Em recentes anos, surgiu uma nova e perturbadora possibilidade de proceder à determinação do genoma de uma pessoa e de nele detetar características genéticas indiciadoras do futuro aparecimento de determinada doença. Note-se, desde logo, que excluindo raras doenças ligadas a um carácter dominante, na maioria dos casos os dados obtidos apenas podem ser expressos em graus de probabilidade e que a margem de erro desses testes (isto é, a obtenção de resultados falsos, positivos ou negativos) é considerável. Levantam-se, neste caso, dúvidas muito sérias, relativas a questões éticas (confidencialidade dos dados, responsabilidade dos analistas, direitos de familiares, capacidade de exigir a análise, etc.) e económicas (custos, comparticipação), mas o problema essencial tem a ver com o facto de tais testes poderem ser livremente adquiridos no mercado da internet, sem indicação ou prescrição médica; e de terceiros facilmente poderem ter acesso a material biológico de uma pessoa (ex. saliva) e de procederem à respetiva análise, sem autorização e no desconhecimento do indivíduo visado.

A recente revelação, por Angeline Jolie, de que tinha procedido a mastectomia bilateral, por ter realizado um teste que revelou uma anomalia num gene, de que resultou uma elevada probabilidade de poder vir a ter cancro da mama, desencadeou uma onda de inquietação, receio e angústia em inúmeras mulheres, que não encontraram lenitivo nos comentários tranquilizadores dos clínicos e especialistas. Este é mais um caso em que a informação veiculada pelos meios de comunicação não se revelou socialmente útil, antes gerou medo e sofrimento psicológico.
 
 
 
 
Prof. Doutor Walter Osswald,
Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa

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