O texto seguinte, escrito pelo Prof. Walter Osswald, foi publicado pelo
jornal Público em 26.06.2013.
Nos últimos tempos, e sem dúvida
com a intervenção de casos ou figuras mediáticas, tem-se debatido o papel em
saúde pública dos variados rastreios que é possível levar a cabo, no intuito de
detetar precocemente situações de doença que possam ser tratadas em tempo útil
– ou até diagnosticar riscos elevados de contrair determinada doença, em
indivíduo sem manifestações patológicas, que se pode pois considerar são.
Os rastreios parecem reunir todas
as condições para serem incentivados e levados à prática: é óbvio que a
Medicina vê na prevenção uma das suas mais prementes e importantes tarefas. Se
o auto-exame, as consultas médicas a intervalos regulares e a realização de
ecografias e mamografias são hoje consideradas medidas aconselháveis a toda a
população feminina de certos estratos etários (limite mínimo geralmente
estabelecido nos 40 anos) para diagnóstico precoce do cancro da mama, não é
possível falar-se de um plano nacional que configure essas mesmas medidas.
De forma similar, o despiste de
lesões malignas ou pré-malignas do cólon (por colonoscopia, recomendada a
partir dos 50-60 anos, a realizar a intervalos regulares) não encontrou
institucionalização no âmbito do plano nacional de saúde. Ainda menos se
vislumbra a eventualidade de incluir nesse plano outros rastreios, como o do
cancro da próstata ou o do melanoma cutâneo.
Em recentes anos, surgiu uma nova
e perturbadora possibilidade de proceder à determinação do genoma de uma pessoa
e de nele detetar características genéticas indiciadoras do futuro aparecimento
de determinada doença. Note-se, desde logo, que excluindo raras doenças ligadas
a um carácter dominante, na maioria dos casos os dados obtidos apenas podem ser
expressos em graus de probabilidade e que a margem de erro desses testes (isto
é, a obtenção de resultados falsos, positivos ou negativos) é considerável.
Levantam-se, neste caso, dúvidas muito sérias, relativas a questões éticas
(confidencialidade dos dados, responsabilidade dos analistas, direitos de
familiares, capacidade de exigir a análise, etc.) e económicas (custos,
comparticipação), mas o problema essencial tem a ver com o facto de tais testes
poderem ser livremente adquiridos no mercado da internet, sem indicação ou
prescrição médica; e de terceiros facilmente poderem ter acesso a material
biológico de uma pessoa (ex. saliva) e de procederem à respetiva análise, sem
autorização e no desconhecimento do indivíduo
visado.
A recente revelação, por Angeline
Jolie, de que tinha procedido a mastectomia bilateral, por ter realizado um teste
que revelou uma anomalia num gene, de que resultou uma elevada probabilidade de
poder vir a ter cancro da mama, desencadeou uma onda de inquietação, receio e
angústia em inúmeras mulheres, que não encontraram lenitivo nos comentários
tranquilizadores dos clínicos e especialistas. Este é mais um caso em que a
informação veiculada pelos meios de comunicação não se revelou socialmente
útil, antes gerou medo e sofrimento psicológico.
Prof. Doutor Walter Osswald,
Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa
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