Na língua inglesa, estabelece-se a distinção
entre doença como entidade fisiopatológica (disease),
com o seu quadro clínico constituído por um conjunto de sinais e sintomas, e
doença como a vivência da enfermidade pelo paciente individual (illness), o que inclui a sua
interpretação cognitiva da experiência de estar doente. Cada pessoa perceciona a
doença à sua maneira. Segundo o bioeticista Edmund Pellegrino, «essa perceção é pessoal e única, uma
vez que cada pessoa interpreta de modo diferente o facto de estar doente ou com
saúde». Sendo assim, a preocupação dos médicos não deveria ser apenas identificar
e tratar a doença como entidade clínica, mas terem em conta esta dimensão
antropológica ou biopsicossocial, que influencia significativamente o processo
terapêutico e é indispensável para que uma decisão médica, correta do ponto de
vista biomédico, possa também ser considerada uma decisão ética.
Pellegrino rejeita o dualismo platónico e
cartesiano. Considera o ser humano como uma unidade e a doença como um fator
perturbador e desintegrador, nas suas vertentes biológica, psíquica, social e
espiritual. Por outro lado, na sua opinião, distinta da célebre definição de
saúde da Organização Mundial de Saúde, uma pessoa pode considerar-se saudável
apesar de alguns condicionalismos de natureza física ou mental, desde que não a
impeçam de realizar os seus projetos de vida.
No encontro clínico o paciente encontra-se num
estado de vulnerabilidade devido à doença, numa relação desigual com o médico
em conhecimento, experiência e poder acerca da sua condição. Nesta relação
assistencial, tão assimétrica e desproporcionada, o ónus da responsabilidade
recai sobre os ombros do elemento mais forte do binómio, ou seja, do médico. Os
pacientes, dada a sua situação de vulnerabilidade, dependência, ansiedade e
limitação da liberdade, causados pela doença, são “obrigados” a confiar nos
médicos que, por sua vez, assumiram o compromisso solene, expresso no Juramento
Hipocrático, de usarem os seus conhecimentos e competências em benefício do
doente.
A doença ocasiona alterações não apenas
orgânicas, que são as mais comuns, mas também psíquicas, sociais e espirituais.
Edmund Pellegrino alude ainda ao facto de a enfermidade, sobretudo nos casos
mais graves, suscitar um receio existencial, nem sempre verbalizado: «será este
o princípio do fim da minha existência?». Aponta também a presença, muitas
vezes, de um sentimento de culpa por parte do paciente por se encontrar nessa
condição, ainda mais exacerbado quando a causa da sua doença poderia ter sido
prevenida com a adoção de um estilo de vida mais saudável. Pode também sentir
vergonha ou humilhação pela perda de privacidade resultante do seu estado
clínico, principalmente em caso de internamento em unidades hospitalares
sobrelotadas e com condições precárias para os cuidados de higiene e alimentação.
Ainda que, na maioria das vezes, os doentes ultrapassem estas dificuldades sem
sequelas, há situações em que o risco de desenvolverem perturbações mentais é
mais notório, nomeadamente nas doenças crónicas, degenerativas, terminais ou
que alterem significativamente a sua imagem corporal. Deste modo, é fundamental
que os médicos e outros profissionais de saúde procurem minimizar este estado
de vulnerabilidade que os pacientes apresentam, em maior ou menor grau, através
de uma conduta exemplar, ao serviço da pessoa doente.
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