21/05/10

PRÁTICA CLÍNICA EM PSIQUIATRIA (2.ª parte)

PROF. ADRIANO VAZ SERRA

«A confidencialidade é uma qualidade que qualquer clínico deve aprender a desenvolver. Dela depende a confiança que o doente vai nele depositar.
A este respeito, o modo de proceder é muito claro: o doente tem direito à privacidade. Por sua vez, o médico, tem o dever de confidencialidade. Os aspectos íntimos não podem ser revelados a ninguém, nem sequer aos familiares mais chegados.
A manutenção do segredo profissional existe também quando um médico é solicitado a prestar declarações em tribunal (cf. art.º 70 e 73 do Código Deontológico).
A confiança é outra das qualidades essenciais que um clínico deve aprender a desenvolver. Permite ao enfermo sentir-se à-vontade, contar os seus problemas, verificar que encontra alguém que não só percebe o que tem como compreende o seu sofrimento. Esta base de confiança leva-o a cooperar com o tratamento.
Simon (1996) menciona que um doente, quando vai ao médico, costuma transportar consigo a expectativa de que o clínico actue em seu benefício. Aceita, por isso, que o terapeuta assuma um papel de dominância.
E é nesta particularidade que, em qualquer intervenção médica, pode surgir no clínico a tentação de ultrapassar os limiares da confiança e aproveitar-se, a seu favor, da situação de vulnerabilidade em que se encontra o enfermo. Uma pessoa torna-se vulnerável quando não tem poder ou recursos individuais e sociais para actuar de acordo com a sua vontade. O sofrimento mental e emocional são dolorosos e debilitantes. As capacidades de julgamento e tomada de decisão estão comprometidas nestas alturas. Os enfermos com uma auto-estima pobre, uma personalidade dependente e uma sensibilidade grande à rejeição, são presas fáceis em terapeutas pouco escrupulosos.
Simon (1996) menciona que um psiquiatra, num contexto terapêutico, deve fazer os possíveis por cumprir regras que o ajudem a não ultrapassar limites, nomeadamente:
- Refrear-se de obter gratificações pessoais à custa do enfermo para além, naturalmente, das que são devidas em termos de honorários previamente conhecidos;
- Manter-se neutro, tentando preservar a autonomia e a autodeterminação do doente e respeitar a sua dignidade;
- Informar antecipadamente as consequências de qualquer tratamento que for efectuado, particularmente quando for inovador e fizer correr qualquer tipo de riscos.
Nas perguntas feitas ao doente, o médico deve atender à coerência lógica da busca de informação. Não deve levantar questões irrelevantes que sirvam apenas para entreter ou alimentar as suas próprias fantasias internas. É o caso, por exemplo, de questões de natureza sexual, se a informação que é solicitada não for proporcional à importância que tem para o problema que está a ser exposto. O mesmo pode ser referido em relação a assuntos de natureza económica. No entanto, o clínico deve mostrar-se receptivo e disponível para escutar o doente em questões que para si “constituam um desabafo” e sejam pertinentes para o problema que está a ser exposto.
Na interacção com o doente há normas de conduta ética que devem ser respeitadas de forma intransigente. É considerado como não-ético qualquer envolvimento sexual do médico com o doente, mesmo que este tenha tomado a iniciativa.
Um outro aspecto a ser tido em conta é o respeito que o médico dever ter pela escolha livre de opções de vida por parte do enfermo. O médico pode exercer a sua influência em relação ao tratamento, às modificações de estilos de vida prejudiciais para a saúde ou à prática de exercício físico regular. Contudo, é considerada não ética qualquer tentativa feita pelo médico de influenciar o doente em assuntos de natureza religiosa, de orientação sexual e de ideologia política.
Em relação ao futuro, há, seguramente, novos problemas éticos que se vão levantar. Dirão respeito à forma de lidar com uma população que se vai tornando progressivamente mais idosa; as intervenções sobre a genética humana; as relações entre os médicos e os sistemas de saúde.
Independentemente do que está referido, devemos salientar que a prática clínica não se resume à aplicação estrita de princípios éticos, é bem mais do que isso.
John Reede (1999) menciona que têm sido feitos diversos estudos para conhecer de que variáveis depende o êxito de um médico na prática clínica. Uma delas é que sinta o exercício da Medicina como vocação e chamamento. Só assim desenvolverá tolerância para a sobrecarga de trabalho que muitas vezes terá de suportar. Também só assim se sentirá motivado para arranjar tempo para ler e estudar.»

1 comentário:

António Moreira disse...

Gostei de ler esta publicação e acho que é muito útil principalmente para ser lida por médicos jovens pois, nos meus 75 anos de vida, tenho assistido a mudanças na forma de actuar de certos médicos que já me vi obrigado, numa consulta, a dizer que ele tinha errado a especialidade pois que deveria ter ido para veterinário, dado que não deixava o doente falar. O problema tende a piorar com o uso do computador, pois já há médicos que, durante uma consulta, quase não tiram os olhos do ecrâ.
António Moreira