06/05/10

O FLAGELO DA PANDEMIA VIH-SIDA

O 6.º Objetivo de Desenvolvimento do Milénio visa combater o VIH-SIDA, a malária, a tuberculose e outras doenças graves, principais responsáveis pela pobreza e baixa esperança de vida à nascença nos países em desenvolvimento. Apesar de alguns progressos alcançados nos últimos anos, as principais metas definidas em 2000 para diminuir a prevalência e impacto destas doenças, nestes países, estão longe de ser atingidas.
  
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi diagnosticada pela primeira vez em 1981 e rapidamente se tornou uma espécie de peste dos tempos modernos, devido à facilidade de contágio e elevada morbilidade e mortalidade que ocasiona. Segundo dados recentes da ONU-SIDA, cerca de 25 milhões de pessoas morreram devido à SIDA desde que surgiu a doença e 60 milhões foram infectadas pelo vírus da Imunodeficiência Humana (VIH). O número total estimado de seropositivos com o VIH, no final de 2008, era de 33,4 milhões, o que representa um acréscimo de 20% em relação ao ano 2000.
 
Inicialmente associada aos chamados “grupos de risco”, nomeadamente os homossexuais, toxicodependentes e hemofílicos, as primeiras medidas de controlo foram dirigidas a estes segmentos da população. Actualmente, tendo em conta que a transmissão do vírus se faz, na maior parte das vezes, por via sexual (sobretudo heterossexual), fala-se mais em comportamentos de risco, podendo afectar transversalmente toda a população de um país ou região. Conforme refere o Professor Machado Caetano, presidente honorário da Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida”, «a pobreza, associada ao baixo nível cultural e educacional, facilita os comportamentos de risco e a disseminação da Sida que neste momento explode no grupo dos heterossexuais, mulheres e crianças e avança já pela terceira idade».
 
O continente africano, e em particular os países da África subsariana, são a região do mundo mais afectada pela pandemia VIH-SIDA. Dados recentes da Organização Mundial de Saúde referem que mais de 65% do total de seropositivos para o VIH se encontram nesta zona do globo, onde vive apenas 10% da população mundial. Em 2008, 68% do número total de novas infecções com o vírus da Sida em adultos e 91% do número total de novas infecções em crianças, nesse ano, verificaram-se nesta região.
 
A ilustração seguinte (www.worldmapper.org), em que os diversos países estão representados em função da prevalência da infecção pelo VIH, ajuda-nos a compreender a dimensão da tragédia e as suas repercussões a nível sanitário, económico, familiar e social.


O impacto causado pela infecção pelo VIH-SIDA é de tal ordem que, nos países em desenvolvimento, se tem verificado nos últimos anos uma redução da esperança média de vida da população. Ao contrário dos países desenvolvidos, em que se constata um aumento progressivo e sustentado da esperança média de vida à nascença, que é actualmente em Portugal de 75,0 anos para os homens, 81,2 para as mulheres e 78,1 para ambos os sexos, nos países mais pobres a tendência é inversa. Em Angola, a esperança média de vida à nascença passou de 47,9 anos em 1998 para 38,2 anos na actualidade (uma das mais baixas do mundo) e em Moçambique era de 45,4 anos em 1998 e presentemente não ultrapassa os 41,2 anos. Nos restantes países da África subsariana a situação é semelhante.
As crianças são um grupo particularmente vulnerável à pandemia VIH-SIDA, não só pelo elevado risco de transmissão materno-infantil, durante a gravidez, parto e amamentação, se a mãe estiver infectada e não for submetida a terapêutica antiretroviral, mas também porque mais de 14 milhões de crianças, na África subsariana, ficaram órfãos de pelo menos um dos pais, devido à doença.
 
Algumas das razões que contribuem para a maior prevalência da infecção pelo VIH-SIDA nestes países incluem factores de ordem cultural, principalmente relacionados com a sexualidade e o estatuto da mulher, de subalternidade em relação ao homem. As adolescentes são particularmente vulneráveis ao risco de contágio, por não obterem com facilidade uma fonte de rendimentos, acabando muitas vezes por se dedicarem à prostituição.
 
Do mesmo modo, a elevada prevalência de doenças de transmissão sexual e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, muitas vezes precários ou inexistentes, contribuem para a propagação da doença. Sabe-se que quem sofrer de uma doença sexualmente transmissível tem um risco aumentado (2-5 vezes) de ser infectado pelo VIH. Por outro lado, o diagnóstico e tratamento tardios da infecção aumentam a sua morbilidade e mortalidade.
 
As migrações, sobretudo por motivos laborais, são outra das causas apontadas. Os trabalhadores migrantes são geralmente homens jovens, separados das companheiras por períodos prolongados. A solidão e o isolamento aumentam a vulnerabilidade a relações sexuais promíscuas e consequentemente maior risco de contágio pelo VIH.
 
Um outro factor que contribuiu para a elevada prevalência do VIH-SIDA nesta região do globo resultou das campanhas iniciais de combate à doença terem sido dirigidas aos grupos de risco já referidos, descurando a propagação do vírus por via heterossexual e materno-infantil, muito mais comuns e generalizadas.
 
A pedra angular do tratamento da pandemia devida ao VIH-SIDA é a prevenção, centrada nas mudanças de atitude e comportamento, principalmente na área sexual. No documento elaborado por um Grupo de Trabalho sobre a Prevenção Global do VIH, constituído por um painel internacional de 50 especialistas, é enfatizada a importância das alterações do comportamento individual no combate à doença.

A política governamental de combate ao VIH-SIDA no Uganda, que tem sido considerada uma história de sucesso e um modelo a seguir, baseia-se na promoção da abstinência sexual (e, para os mais jovens, início mais tardio da actividade sexual), fidelidade ao parceiro sexual e utilização do preservativo, por esta ordem de prioridade. Neste país africano, no final da década de oitenta um terço da população adulta estava infectada com o VIH mas devido à implementação destas medidas de prevenção, a taxa de prevalência nacional da infecção diminuiu para metade no final do milénio, sendo actualmente de cerca de 7%. Já no início da década de noventa, a Organização Mundial de Saúde declarava, no Dia Mundial da Sida, que «a forma mais eficaz de prevenção da transmissão do vírus da Sida é a abstinência sexual ou a fidelidade sexual entre duas pessoas não infectadas. Em alternativa, o uso correcto do preservativo reduzirá o risco significativamente» (OMS, 1992).
 
Diversos estudos referem que a taxa de eficácia do preservativo como profilaxia da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, como a Sida, é superior a 90%, desde que seja utilizado em todos os contactos sexuais, seja de boa qualidade e a sua colocação seja correcta. Tais condições raramente se verificam no contexto africano, onde países em que a distribuição de preservativos está bem implementada, como a África do Sul, Zimbabué e Botswana, continuam a integrar o grupo dos mais afectados pelo VIH-SIDA. Deste modo, apesar da utilização do preservativo dever ser encorajada, é necessário enfatizar a importância das outras medidas de prevenção centradas na modificação do comportamento na área da sexualidade. Aliás, o principal factor de risco de se contrair uma doença sexualmente transmissível é o número de parceiros sexuais que se tem ao longo da vida e não a falta de utilização de preservativo nas relações sexuais.
 
Termino com o texto de uma campanha publicitária da responsabilidade da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, transmitida na imprensa nacional em 1994, cuja mensagem permanece actual: «A fidelidade pode estar fora de moda. Mas isto não é um anúncio de moda. Para além de outras virtudes, e até prova em contrário, a fidelidade é a maneira mais eficaz de combater a Sida. A Sida vive do anonimato e do desconhecido. E a fidelidade, esteja ou não na moda, pode ser o princípio do fim desta epidemia».

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