20/05/10

PRÁTICA CLÍNICA EM PSIQUIATRIA

PROF. ADRIANO VAZ SERRA

«O "peso" da doença mental foi sentido de forma injusta ao longo de muitos anos. Este revestiu-se de diversas facetas. O primeiro grande "peso" foi o da desumanidade e incompreensão. Um outro, grave, que se lhe juntou, foi o da indiferença. Mais adiante surgiu um "peso" de nome diferente: o do tecnicismo.
O clínico procura a cura do doente. Mas o enfermo não deseja só a cura, pretende também que cuidem de si, em aspectos que transcendem a relação causal, limitada ao diagnóstico e prescrição terapêutica.
Claro que um bom diagnóstico e uma boa terapêutica são essenciais. Porém, não constituem senão um dos elos úteis na recuperação de qualquer indivíduo. É necessário ter em conta outros factores.
Uma boa relação médico-doente é um mediador importante no processo de cura. Porquê? Porque, a partir do momento em que alguém se dirige a um clínico, à procura de ajuda, a relação médico-doente começa a ter significado. Há vários aspectos a ponderar.
Um deles o facto de que o doente não traz apenas consigo um conjunto de sintomas que correspondem a uma entidade clínica. Transporta também uma expectativa de ajuda, de que vai encontrar alguém que é capaz de dar resposta para o problema que apresenta. Se é estabelecida uma boa relação terapêutica, o doente sente-se em condições de poder desabafar e de compartilhar os problemas da sua vida, particularizados ou agudizados num certo sentido, por aquilo que está a acontecer-lhe. E, nessa altura, o clínico tem de ter sensibilidade suficiente para compreender que já não é só uma disfunção que precisa de ter em conta, mas antes o ser humano que se lhe apresenta como um todo, cuja vida se cruza com a sua própria vida e de quem espera, pelo menos, a capacidade de ser escutado e também obter um conselho sobre o que deve ou não fazer sobre esta ou aquela matéria.
Um psiquiatra não precisa apenas de reconhecer os diversos quadros clínicos. Para além deste conhecimento, deve ser capaz de se tornar um mediador adequado dos conhecimentos recebidos para saber transmiti-los ao doente, absorver os seus medos e dar-lhe confiança.
Há aspectos que influenciam favoravelmente a qualidade da relação terapêutica e que o clínico deve cultivar. Um deles denomina-se capacidade de empatia. O outro chama-se "calor humano".
Um terapeuta empático compreende o doente como se conhecesse a personagem de uma novela por dentro, como se pudesse predizer, em cada circunstância, o que essa personagem vai fazer. Se assim acontecer, o doente sente que está a ser compreendido, que alguém é capaz de percebê-lo, manifestando-se mais satisfeito com o ambiente criado.
O calor humano é outro ingrediente importante. O calor humano, por parte do terapeuta, desperta calor humano por parte do doente. É um factor que engendra satisfação. Numa entrevista amistosa, o clínico deve acolher o doente com delicadeza, ser capaz de sorrir apropriadamente e de falar calorosamente quando for caso disso.
Estes aspectos são importantes, pois, a atitude do psiquiatra pode constituir em si própria um agente terapêutico.
Consideremos, agora, um aspecto diferente.
Em termos éticos, o clínico deve sentir o compromisso da sua profissão e a responsabilidade moral de cuidar do bem-estar físico e psicológico do doente.
Quando um médico examina um enfermo, deve aplicar o conhecimento recebido ao longo da sua preparação para cuidar da saúde daquele que observa. No entanto, na relação com o doente, tem igualmente de possuir aptidões e desenvolver atitudes que lhe permitam lidar adequadamente com tipos variados de problemas, alguns dos quais de grande delicadeza.
Vamos fazer uma alusão breve a alguns destes pontos.»

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