DRª. CATALINA PESTANA
«Eu tive recentemente um cancro da mama, ductal, invasivo G3, mas este cancro nunca me teve a mim.
«Eu tive recentemente um cancro da mama, ductal, invasivo G3, mas este cancro nunca me teve a mim.
A única doença para a qual não existe qualquer tipo de cura ou vacina, descoberta ou em fase de investigação, é a vida. O desafio é pois, vivê-la, bebê-la, respirá-la lentamente, retirando dela o máximo que nos puder dar. Mesmo que não seja o prazer imediato, ou o bem-estar, que habitualmente ajuda a construir o mais ser.
Quando um volume estranho, detectável ao tacto, apareceu no meu peito direito, e me levou em Agosto de 2009, de urgência ao médico de família, dissemos um para o outro: “cancro não pode ser!”. Tinha feito, em Março do mesmo ano, a mamografia e a ecografia mamária de rotina, e aparentemente nada de preocupante existia. Antibiótico e anti-inflamatório durante oito dias, e, caso não desaparecesse totalmente a massa estranha, novos exames.
Não desapareceu. Os novos exames ditaram o resultado supra indicado.
Trabalhei muitos anos em educação para a saúde, pensava que era uma mulher da prevenção. Ao contrário do habitual, tinha feito tudo certo. Aquele diagnóstico funcionou como uma provocação. Por que seria que uma das raras situações em que a prevenção não resultou, me havia de acontecer a mim?
Partilhei a situação com a minha amiga/irmã, e preparei-me em silêncio para o pior.
O meu neto Miguel estava para nascer, e não era útil para ninguém misturar duas realidades tão simbolicamente antagónicas.
Não disse nada à família, antes dele nascer, mas comecei a desenvolver as estratégias necessárias para o combate. A minha ginecologista, de quase uma vida, constatado o problema, deu-me uma carta para um médico do IPO de Lisboa. Fomos no dia seguinte, a minha acompanhante e eu, iniciar um percurso que embora doloroso, nos tem enriquecido às duas, muito mais do que poderíamos imaginar no início.
Pode parecer surrealista, falar da componente positiva, que existe na partilha quotidiana da vida, com um cancro, que sabemos muito agressivo mas ao qual decidimos firmemente não facilitar a “tarefa”.
O IPO é um conjunto de edifícios, construídos em várias épocas, sendo que o principal, amarelo, estilo Estado Novo, marca arquitectonicamente o conjunto. Situa-se em Palhavã, junto à Praça de Espanha. Algumas mulheres que conheci, foram várias vezes até às imediações e não conseguiram entrar. Tiveram medo.
O medo é pior do que qualquer cancro. Bloqueia e paralisa, mesmo pessoas inteligentes e cultas. O medo existe dentro de todos nós, mas temos que aprender a espantá-lo, mesmo que seja através do humor.
Somos pessoas, não somos heróis. Esses, na Grécia Antiga, eram descritos como sendo filhos de um deus e de um humano, tinham pois mais resistência do que nós. Não consta que na actualidade os deuses se entretenham a namorar com humanos, daí a nossa falta de heróis.
Ultrapassada a porta de entrada, encontrámos doentes, alguns em sofrimento, como em todos os hospitais. Encontrámos profissionais de saúde cuja diferença em relação a muitos outros hospitais está na formação específica que adquirem e na cultura própria daquela organização, que os mais velhos vão passando aos recém chegados, e que todos herdaram do fundador. Uma cultura de cuidados humanizados, que faz deste um hospital de referência em Portugal ou em qualquer país da Europa».
Foi este o texto que a Drª Catalina Pestana teve a gentileza de me enviar, para publicação neste espaço. É o primeiro capítulo de uma história real sobre uma etapa recente da sua vida.
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