07/10/13

IN MEMORIAM: EDMUND D. PELLEGRINO (1920-2013)


Edmund Daniel Pellegrino nasceu em Newark, no estado norte-americano de New Jersey, em 1920. Terminou a licenciatura em medicina em 1944, especializando-se em Medicina Interna. Interessou-se inicialmente pela investigação sobre fisiologia e patologia renal, publicando mais de 50 trabalhos científicos nesta área.

Na década de 80, assumiu a Direção do Kennedy Institute of Ethics, o primeiro centro universitário do mundo dedicado à Bioética, após o falecimento de Andre Hellegers, fundador e primeiro Diretor desta prestigiada instituição.

Reconhecido como um dos pioneiros da Bioética e um dos mais brilhantes e aclamados dos seus cultores, foi um dos maiores apologistas de uma ética das virtudes no exercício da medicina. Foi também um dos principais responsáveis pela introdução do ensino das Humanidades nas Faculdades de Medicina dos EUA.

Edmund Pellegrino foi autor, co-autor ou editor de 23 livros e escreveu mais de 600 artigos em revistas científicas. As suas obras mais conhecidas e com maior influência na área da Bioética são: Humanism and the Physician (University of Tennessee Press, 1979), A Philosophical Basis of Medical Practice (Oxford University Press, 1981), For the Patient’s Good: Toward the Restoration of Beneficence in Health Care (Oxford University Press, 1988), The Virtues in Medical Practice (Oxford University Press, 1993), The Christian Virtues in Medical Practice (Georgetown University Press, 1996) e Helping and Healing: Religious Commitment in Health Care (Georgetown University Press, 1997). Todos os livros, com exceção do primeiro, foram escritos em co-autoria com o filósofo dominicano David C. Thomasma, falecido em 2002, que durante vinte e cinco anos foi o seu principal colaborador.

Numa época marcada por uma profunda transformação dos cuidados de saúde, em que se verifica a preponderância de modelos de relação médico-doente como o comercial e o contratual, centrados na autonomia do paciente, mas que encaram a medicina como um negócio e uma profissão como qualquer outra, Pellegrino e Thomasma propuseram um modelo de beneficência fiduciária. Este modelo promove a confiança entre médico e paciente, essencial para que a relação clínica seja uma relação terapêutica, e minimiza a assimetria de poder do encontro clínico protegendo o doente, que se encontra habitualmente num estado de vulnerabilidade e dependência de natureza ontológica, devido à doença.

Entre muitos cargos e funções que o Prof. Pellegrino desempenhou, destacaria o facto de ter sido membro da Academia Pontifícia para a Vida desde a sua instituição em 1994 pelo Papa João Paulo II, bem como do Comité Internacional de Bioética da UNESCO, para o qual foi convidado em 2004.  Edmund Pellegrino integrou o comité responsável pela redação da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela UNESCO no ano seguinte.  

Em 2005, com 85 anos de idade, foi nomeado para presidir ao Conselho Presidencial de Bioética dos EUA. A um jornalista espanhol que o interrogou se a sua idade não seria um obstáculo para o desempenho deste importantíssimo cargo, respondeu: «porque iria deixar de pensar a partir dos 85?». Sob a sua Direção neste Conselho, foram concluídos e apresentados os seguintes documentos: Human Dignity and Bioethics: Essays Commissioned by the President's Council on Bioethics, The Changing Moral Focus of Newborn Screening: An Ethical Analysis by the President's Council on Bioethics, e Controversies in the Determination of Death: A White Paper by the President's Council on Bioethics.

No decurso da sua longa carreira académica, Edmund Pellegrino foi um exemplo e fonte de inspiração para várias gerações de estudantes de medicina, salientando o valor da honestidade intelectual e da centralidade do estabelecimento de uma relação de confiança entre o médico e o doente no exercício da profissão. Muitos dos seus antigos alunos e colaboradores, de várias universidades de diferentes estados norte-americanos, contribuíram com textos para o livro The Health Care Professional as Friend and Healer: Building on the Work of Edmund D. Pellegrino, editado por David Thomasma e Judith Lee Kissell em 2000. No ensaio que escreveu para esta publicação, Courtney Campbell considera Pellegrino «uma voz profética para a profissão médica, procurando chamar a comunidade de volta aos compromissos morais fundamentais da sua vocação».

Numa entrevista que tive o privilégio de fazer ao Professor Pellegrino em 2011, perguntei-lhe o que considerava ser o aspeto mais preocupante na evolução da Bioética na atualidade. Na sua opinião, sempre que a Bioética deixar de procurar a sua fundamentação na Ética, que é um ramo da filosofia, e procurar estabelecer normas e doutrinas a partir da sociologia, da psicologia ou da política, estará mais permeável à influência de opiniões pessoais, políticas ou ideológicas. Essas disciplinas podem dar importantes contributos à reflexão ética e bioética mas não devem constituir a base da filosofia moral.

O Professor Pellegrino faleceu no passado dia 13 de Junho em Washington D. C., poucos dias antes de completar 93 anos. O seu legado será sempre uma referência obrigatória na história da Bioética norte-americana e mundial, e indispensável para todos os que quiserem refletir e aprofundar o seu pensamento bioético sobre a educação médica, a ética das virtudes, a relação médico-doente ou as humanidades na medicina.

Revista Portuguesa de Bioética 19:143-145, 2014.

Sem comentários: