Etimologicamente, a palavra medicina provém do
vocábulo latino medicina e pode ser definida como «Arte e Ciência que estuda,
conhece, previne e trata as doenças». Contudo, o termo arte não se refere às
Belas Artes, como a pintura ou a escultura, ou ainda a poesia ou a música, que
exprimem o sentimento estético. Tem um significado idêntico ao termo grego techné, que pode ser traduzido por
perícia, competência ou habilidade. Na Grécia antiga e até ao fim do período
medieval, a medicina era considerada um ofício artesanal, como a carpintaria, a
tecelagem ou a pesca, em que o saber, de caráter essencialmente prático, se
transmitia de pai para filho, ou de mestre para aprendiz, ao longo de gerações.
Contudo, ao contrário de outras atividades artesanais, em que há habitualmente
um processo criativo de produção de uma nova entidade, na medicina procura-se
restaurar a integridade física e/ou mental do paciente. Edmund Pellegrino e
David Thomasma definem a medicina como «a arte de curar que trabalha
principalmente no corpo e através dele, para conseguir a integração da
experiência de vida do paciente», que inclui a sua história pessoal e sistema
de valores. Como refere também Daniele Cohn, «para o homem, a vida não é um
bios, mas uma experiência vivida, ou seja, a vida no que ela tem de
significativo».
Acerca da especificidade da medicina no campo
dos saberes, Pellegrino considera que a medicina é a mais humana das ciências,
a mais empírica das artes e a mais científica das humanidades. Jaime Celestino
da Costa refere igualmente que «a medicina é uma profissão sui generis, de
muitas vertentes […]: é humanística como origem; é humanitária como ação; é
científica como formação; é biológica como matéria; é de tipo superior como
educação; é profissional como atividade; é solidária como vocação; é ética como
conduta, e é altruísta nos seus desígnios».
Pellegrino assinala que há uma diferença
profunda entre ser médico e possuir uma licenciatura em medicina. Ser médico
envolve um grau superior de compromisso e dedicação, que se manifesta no dia a
dia e em qualquer lugar. É por este facto que a sociedade espera a pronta
colaboração dos médicos sempre que esta seja necessária e urgente, mesmo que
não estejam de serviço ou se encontrem longe das instituições onde
habitualmente trabalham. O grau de licenciatura em medicina certifica a
competência do médico para o exercício da profissão, mas é a promessa ou
compromisso de utilizar as competências adquiridas ao serviço do doente que
deve facultar-lhe acesso ao pleno exercício da sua atividade. Tal compromisso,
em Portugal e em muitos outros países, tem lugar em cerimónia pública solene
onde é lida uma versão adaptada do Juramento Hipocrático, o que denota a
preocupação universal em reafirmar certos princípios de conduta na prática
clínica, como a beneficência e a não-maleficência. Importa, porém, não esquecer
que os códigos éticos e deontológicos, apesar de importantes, têm um valor
limitado, pois, em última análise, dependem do caráter e consciência ética do
profissional de saúde.
Talvez possamos sintetizar o cerne da ontologia
da medicina de Pellegrino e Thomasma referindo que, para estes autores, a
medicina clínica não se caracteriza por ser simplesmente uma ciência, uma arte
ou uma profissão. É, acima de tudo, uma relação de confiança entre o paciente
individual e o seu médico, que tem como objetivo final o bem do paciente.
Distingue-se de outras atividades humanas na medida em que o seu propósito não
é a obtenção de lucro, prestígio, ou poder, mas sim o bem integral do doente:
«curar se possível, cuidar sempre, aliviar o sofrimento e promover a saúde».
Conforme sublinha Jacqueline Lagrée, professora de filosofia da Universidade de
Rennes, «se a preocupação de aliviar e de tratar não estão em primeiro lugar,
mais vale não ser médico».
O
texto anterior foi extraído do artigo que escrevi, intitulado “O conceito de
filosofia da medicina em Pellegrino e Thomasma”, publicado na última edição da
Revista de Bioética Latinoamericana (11: 82-99, 2013). Será enviada uma cópia
do artigo por email a quem o solicitar para falemosdesaude@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário