25/03/13

O QUE É A MEDICINA?


Etimologicamente, a palavra medicina provém do vocábulo latino medicina e pode ser definida como «Arte e Ciência que estuda, conhece, previne e trata as doenças». Contudo, o termo arte não se refere às Belas Artes, como a pintura ou a escultura, ou ainda a poesia ou a música, que exprimem o sentimento estético. Tem um significado idêntico ao termo grego techné, que pode ser traduzido por perícia, competência ou habilidade. Na Grécia antiga e até ao fim do período medieval, a medicina era considerada um ofício artesanal, como a carpintaria, a tecelagem ou a pesca, em que o saber, de caráter essencialmente prático, se transmitia de pai para filho, ou de mestre para aprendiz, ao longo de gerações. Contudo, ao contrário de outras atividades artesanais, em que há habitualmente um processo criativo de produção de uma nova entidade, na medicina procura-se restaurar a integridade física e/ou mental do paciente. Edmund Pellegrino e David Thomasma definem a medicina como «a arte de curar que trabalha principalmente no corpo e através dele, para conseguir a integração da experiência de vida do paciente», que inclui a sua história pessoal e sistema de valores. Como refere também Daniele Cohn, «para o homem, a vida não é um bios, mas uma experiência vivida, ou seja, a vida no que ela tem de significativo».

Acerca da especificidade da medicina no campo dos saberes, Pellegrino considera que a medicina é a mais humana das ciências, a mais empírica das artes e a mais científica das humanidades. Jaime Celestino da Costa refere igualmente que «a medicina é uma profissão sui generis, de muitas vertentes […]: é humanística como origem; é humanitária como ação; é científica como formação; é biológica como matéria; é de tipo superior como educação; é profissional como atividade; é solidária como vocação; é ética como conduta, e é altruísta nos seus desígnios».

Pellegrino assinala que há uma diferença profunda entre ser médico e possuir uma licenciatura em medicina. Ser médico envolve um grau superior de compromisso e dedicação, que se manifesta no dia a dia e em qualquer lugar. É por este facto que a sociedade espera a pronta colaboração dos médicos sempre que esta seja necessária e urgente, mesmo que não estejam de serviço ou se encontrem longe das instituições onde habitualmente trabalham. O grau de licenciatura em medicina certifica a competência do médico para o exercício da profissão, mas é a promessa ou compromisso de utilizar as competências adquiridas ao serviço do doente que deve facultar-lhe acesso ao pleno exercício da sua atividade. Tal compromisso, em Portugal e em muitos outros países, tem lugar em cerimónia pública solene onde é lida uma versão adaptada do Juramento Hipocrático, o que denota a preocupação universal em reafirmar certos princípios de conduta na prática clínica, como a beneficência e a não-maleficência. Importa, porém, não esquecer que os códigos éticos e deontológicos, apesar de importantes, têm um valor limitado, pois, em última análise, dependem do caráter e consciência ética do profissional de saúde.

Talvez possamos sintetizar o cerne da ontologia da medicina de Pellegrino e Thomasma referindo que, para estes autores, a medicina clínica não se caracteriza por ser simplesmente uma ciência, uma arte ou uma profissão. É, acima de tudo, uma relação de confiança entre o paciente individual e o seu médico, que tem como objetivo final o bem do paciente. Distingue-se de outras atividades humanas na medida em que o seu propósito não é a obtenção de lucro, prestígio, ou poder, mas sim o bem integral do doente: «curar se possível, cuidar sempre, aliviar o sofrimento e promover a saúde». Conforme sublinha Jacqueline Lagrée, professora de filosofia da Universidade de Rennes, «se a preocupação de aliviar e de tratar não estão em primeiro lugar, mais vale não ser médico».

O texto anterior foi extraído do artigo que escrevi, intitulado “O conceito de filosofia da medicina em Pellegrino e Thomasma”, publicado na última edição da Revista de Bioética Latinoamericana (11: 82-99, 2013). Será enviada uma cópia do artigo por email a quem o solicitar para falemosdesaude@gmail.com

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