24/05/10

UMA HISTÓRIA DE AMOR EM ÁFRICA


«Outrora conhecido por Hospital Miguel Bombarda, na conhecida Cidade das Acácias, Lourenço Marques para os que nunca a esquecerão e Maputo para os que hoje percorrem as suas ruas, o Hospital Central de Maputo encerra ainda hoje, entre os seus jardins rigorosamente desenhados e os pavilhões das diversas especialidades médicas, as histórias de todos os seus protagonistas. Histórias de guerra e de paz, de fome e de crime; histórias de vitória sobre a doença; histórias de doenças vitoriosas. Histórias de morte, histórias de vida, e histórias de amor.
 
É hora da visita. Filhos em busca de pais, irmãs em busca de irmãos, pais em busca de filhos. Amigos, namorados, esposas ou simplesmente tios, são apenas pessoas que correm e percorrem as pequenas ruas internas num frenesim suado em busca do leito onde os seus aguardam melhores dias.
 
No meio da multidão, as 2 missionárias, de nacionalidades diferentes, iniciam o seu périplo já rotineiro. Passadas as vendedoras de bolachas, fruta e fraldas, água ou bolinhos, acotovelando-se em palavras de promoção à sua venda (como se disso dependesse a vida dos que estão vivos, pois aqui a vida equaciona-se em frações de dias, de refeições tomadas), segue-se a extensa avenida que atravessa o complexo hospitalar.
 
A Ortopedia só pode ser para a esquerda, a avaliar pelos doentes amparados nas suas muletas e companheiros que caminham nessa direção. A Psiquiatria adivinha-se na direita, nesse pavilhão de janelas gradeadas, ecoando do seu interior os assobios e pedidos daqueles que não saindo para ver o sol, desejavam ter as visitas que os esqueceram na sombra.
 
As mulheres apressam-se carregando os seus filhos na capulana cuidadosamente dobrada à volta do seu corpo, como se delas fizessem parte até que o destino, ou mesmo a fome os separe, e os obrigue a caminhar pelos seus próprios pés.
 
Aproxima-se a Pediatria. Parece que alguém quer que este espaço respire melhor. As paredes estão pintadas de fresco, e as janelas têm cortinas novas. Um ar leve e timidamente alegre para dar alívio aos que entram e esperança aos que ainda não conseguiram sair. Elas sobem ao primeiro andar e pedem para visitar crianças que não tenham visitas.
 
“São família?” pergunta o segurança. “Não, somos apenas missionárias que desejamos ver crianças que não têm visitas… que fichas tem aí que nos possa dar?”. As fichas são aqueles pedaços de cartão envelhecido, manuseadas milhares de vezes por aqueles que naquela porta entraram para ver meninos e meninas. As fichas são as da cama 7, da Cirurgia Pediátrica, ocupada há mais de 5 anos por um menino… um menino que se chama Alfredo, e que deverá ter hoje 8 anos num corpo de 3. Talvez o mais antigo residente desta casa, abandonado pela sua mãe no dia em que ela lhe descobriu um crescimento exagerado da sua cabeça, consequência daquilo que ninguém sabe nem se atreve a pensar.
 
O Alfredo apresenta uma macrocefalia tão avançada, que lhe imobiliza a cabeça que o franzino corpo não consegue sustentar nem mover. O Alfredo só conhece 2 posições nesta sua cama: virado para a esquerda, ou virado para a direita. Para a direita verá apenas uma parede e ouvirá os sons do hospital, para a esquerda verá o mundo, verá as cores das gentes, os sons da vida e tudo o que se move.
 
“Olha, o Alfredo hoje está virado para nós…” - exclama a Alice, no seu tom meigo e ainda pincelado com as nuances do Norte de Portugal que deixou há 7 meses. A Fátima sorri, com aquele sorriso que só quem nasceu na Terra dos Sorrisos pode ter. Aquele sorriso que a levou a desejar visitar um hospital, mesmo sabendo que irá precisar de 3 horas para regressar a casa para junto da sua família. Por agora, aquela é a sua família, e não importa como, ela está ali para os fazer também sorrir.
 
A Alice já não consegue largar o Alfredo, que entretanto se segurou às suas mãos dizendo provavelmente nas palavras que não consegue dizer: “Não vás embora…” A Fátima vai então percorrendo as outras camas, cumprimentando algumas destas mães, que deixaram para trás a restante família lá na longínqua província, em busca da solução para a sua menina ou menino.
 
“Esta mãe saiu da província há mais de um mês e a família nunca soube o que aconteceu”. Ela não tem dinheiro para umas bolachas, quanto mais para fazer um telefonema. Que esperarão os seus familiares ouvir do lado de lá da linha? O mais certo é ela regressar à aldeia com a capulana dobrada no saco, qual mãe derrotada pela inimiga doença que a separou precocemente da sua filha. Se regressarem as duas, será festa na aldeia certamente. O povo já está habituado que a doença vem no final. A morte é certa, a vida é uma dádiva. Por isso os moçambicanos, quando lhes dói a cabeça ou o estômago não dizem que estão doentes, mas apenas que estão “incomodados”. Doença é o passaporte para o não regresso a casa.
 
A Alice sugere e a Fátima propõe, falando em Xangana, o único dialeto que esta mãe conhece: “Olha, queres usar o nosso telemóvel para ligares para a província e dizeres que está tudo bem?” A sua cara expressou logo a revolução que acontecia dentro de si com aquela oferta. Não sabia como agradecer, depois de ter ouvido e de ser ouvida por aqueles lá longe, que contavam os dias e olhavam para a estrada poeirenta que lhes traria num final de dia, dentro de uma carrinha velha, as boas ou más noticias de uma mulher que tinha ido à cidade procurar o sonho de renovar uma vida.
 
A Alice continua agarrada ao Alfredo, como se fosse ela a conferir-lhe vida, sorrisos e oxigénio. “Vamos lá, Alfredo, vamos aprender a bater palminhas…". Mãos de uma mãe branca entrelaçadas nestas pequenas mãozinhas escuras, num banal gesto de quem ensina um magistral movimento para quem aprende. “Agora vamos aprender a cantar… a galinha põe o ovo e o Alfredo papa tuuuudo! Outra vez, Alfredo…”
 
“É tão difícil fazer isto quando o Alfredo está virado para o outro lado…”, desabafa a Alice. Nesses dias as atenções vão para os outros que querem ouvir as histórias da Bíblia que estas missionárias trazem na sacola. “Abre a mala, abre a mala...” diz a menina doente que já sabe onde está o livrinho das histórias.
 
As crianças pedem uma história, as suas mães pedem uma oração. Em qualquer um destes pedidos reside a esperança de passar mais um dia naquele hospital, com mais um sorriso ou menos uma lágrima. O Hospital de onde todos os dias saem e entram milhares de pessoas, e onde tantas ficam, sem saber se amanhã virá alguém, seja o pai ou a mãe, ou as missionárias da Pediatria.
 
A história do Alfredo, que também pode ser a história da Maria, da Raquel ou do Luís, é contada nesta cidade pelas missionárias Alice e Fátima que podiam chamar-se Joana, Sara ou Luísa. O único que nunca mudará nesta história é Aquele que lhes deu o motivo para fazerem as visitas ao hospital. O Deus que as amou primeiro e as ensinou a amar. O Deus que ama o Alfredo, a Maria, a Raquel e o Luís, em qualquer parte do mundo em que estejam, doentes ou não.
 
Este é o Deus, o único que é capaz de fazer desta história, uma história de amor.»

Esta história real e emocionante foi escrita pelo meu amigo Jorge Pratas, missionário em Moçambique e autor do blogue http://cronicasmozambique.blogspot.com/.

21/05/10

PRÁTICA CLÍNICA EM PSIQUIATRIA (2.ª parte)

PROF. ADRIANO VAZ SERRA

«A confidencialidade é uma qualidade que qualquer clínico deve aprender a desenvolver. Dela depende a confiança que o doente vai nele depositar.
A este respeito, o modo de proceder é muito claro: o doente tem direito à privacidade. Por sua vez, o médico, tem o dever de confidencialidade. Os aspectos íntimos não podem ser revelados a ninguém, nem sequer aos familiares mais chegados.
A manutenção do segredo profissional existe também quando um médico é solicitado a prestar declarações em tribunal (cf. art.º 70 e 73 do Código Deontológico).
A confiança é outra das qualidades essenciais que um clínico deve aprender a desenvolver. Permite ao enfermo sentir-se à-vontade, contar os seus problemas, verificar que encontra alguém que não só percebe o que tem como compreende o seu sofrimento. Esta base de confiança leva-o a cooperar com o tratamento.
Simon (1996) menciona que um doente, quando vai ao médico, costuma transportar consigo a expectativa de que o clínico actue em seu benefício. Aceita, por isso, que o terapeuta assuma um papel de dominância.
E é nesta particularidade que, em qualquer intervenção médica, pode surgir no clínico a tentação de ultrapassar os limiares da confiança e aproveitar-se, a seu favor, da situação de vulnerabilidade em que se encontra o enfermo. Uma pessoa torna-se vulnerável quando não tem poder ou recursos individuais e sociais para actuar de acordo com a sua vontade. O sofrimento mental e emocional são dolorosos e debilitantes. As capacidades de julgamento e tomada de decisão estão comprometidas nestas alturas. Os enfermos com uma auto-estima pobre, uma personalidade dependente e uma sensibilidade grande à rejeição, são presas fáceis em terapeutas pouco escrupulosos.
Simon (1996) menciona que um psiquiatra, num contexto terapêutico, deve fazer os possíveis por cumprir regras que o ajudem a não ultrapassar limites, nomeadamente:
- Refrear-se de obter gratificações pessoais à custa do enfermo para além, naturalmente, das que são devidas em termos de honorários previamente conhecidos;
- Manter-se neutro, tentando preservar a autonomia e a autodeterminação do doente e respeitar a sua dignidade;
- Informar antecipadamente as consequências de qualquer tratamento que for efectuado, particularmente quando for inovador e fizer correr qualquer tipo de riscos.
Nas perguntas feitas ao doente, o médico deve atender à coerência lógica da busca de informação. Não deve levantar questões irrelevantes que sirvam apenas para entreter ou alimentar as suas próprias fantasias internas. É o caso, por exemplo, de questões de natureza sexual, se a informação que é solicitada não for proporcional à importância que tem para o problema que está a ser exposto. O mesmo pode ser referido em relação a assuntos de natureza económica. No entanto, o clínico deve mostrar-se receptivo e disponível para escutar o doente em questões que para si “constituam um desabafo” e sejam pertinentes para o problema que está a ser exposto.
Na interacção com o doente há normas de conduta ética que devem ser respeitadas de forma intransigente. É considerado como não-ético qualquer envolvimento sexual do médico com o doente, mesmo que este tenha tomado a iniciativa.
Um outro aspecto a ser tido em conta é o respeito que o médico dever ter pela escolha livre de opções de vida por parte do enfermo. O médico pode exercer a sua influência em relação ao tratamento, às modificações de estilos de vida prejudiciais para a saúde ou à prática de exercício físico regular. Contudo, é considerada não ética qualquer tentativa feita pelo médico de influenciar o doente em assuntos de natureza religiosa, de orientação sexual e de ideologia política.
Em relação ao futuro, há, seguramente, novos problemas éticos que se vão levantar. Dirão respeito à forma de lidar com uma população que se vai tornando progressivamente mais idosa; as intervenções sobre a genética humana; as relações entre os médicos e os sistemas de saúde.
Independentemente do que está referido, devemos salientar que a prática clínica não se resume à aplicação estrita de princípios éticos, é bem mais do que isso.
John Reede (1999) menciona que têm sido feitos diversos estudos para conhecer de que variáveis depende o êxito de um médico na prática clínica. Uma delas é que sinta o exercício da Medicina como vocação e chamamento. Só assim desenvolverá tolerância para a sobrecarga de trabalho que muitas vezes terá de suportar. Também só assim se sentirá motivado para arranjar tempo para ler e estudar.»

20/05/10

PRÁTICA CLÍNICA EM PSIQUIATRIA

PROF. ADRIANO VAZ SERRA

«O "peso" da doença mental foi sentido de forma injusta ao longo de muitos anos. Este revestiu-se de diversas facetas. O primeiro grande "peso" foi o da desumanidade e incompreensão. Um outro, grave, que se lhe juntou, foi o da indiferença. Mais adiante surgiu um "peso" de nome diferente: o do tecnicismo.
O clínico procura a cura do doente. Mas o enfermo não deseja só a cura, pretende também que cuidem de si, em aspectos que transcendem a relação causal, limitada ao diagnóstico e prescrição terapêutica.
Claro que um bom diagnóstico e uma boa terapêutica são essenciais. Porém, não constituem senão um dos elos úteis na recuperação de qualquer indivíduo. É necessário ter em conta outros factores.
Uma boa relação médico-doente é um mediador importante no processo de cura. Porquê? Porque, a partir do momento em que alguém se dirige a um clínico, à procura de ajuda, a relação médico-doente começa a ter significado. Há vários aspectos a ponderar.
Um deles o facto de que o doente não traz apenas consigo um conjunto de sintomas que correspondem a uma entidade clínica. Transporta também uma expectativa de ajuda, de que vai encontrar alguém que é capaz de dar resposta para o problema que apresenta. Se é estabelecida uma boa relação terapêutica, o doente sente-se em condições de poder desabafar e de compartilhar os problemas da sua vida, particularizados ou agudizados num certo sentido, por aquilo que está a acontecer-lhe. E, nessa altura, o clínico tem de ter sensibilidade suficiente para compreender que já não é só uma disfunção que precisa de ter em conta, mas antes o ser humano que se lhe apresenta como um todo, cuja vida se cruza com a sua própria vida e de quem espera, pelo menos, a capacidade de ser escutado e também obter um conselho sobre o que deve ou não fazer sobre esta ou aquela matéria.
Um psiquiatra não precisa apenas de reconhecer os diversos quadros clínicos. Para além deste conhecimento, deve ser capaz de se tornar um mediador adequado dos conhecimentos recebidos para saber transmiti-los ao doente, absorver os seus medos e dar-lhe confiança.
Há aspectos que influenciam favoravelmente a qualidade da relação terapêutica e que o clínico deve cultivar. Um deles denomina-se capacidade de empatia. O outro chama-se "calor humano".
Um terapeuta empático compreende o doente como se conhecesse a personagem de uma novela por dentro, como se pudesse predizer, em cada circunstância, o que essa personagem vai fazer. Se assim acontecer, o doente sente que está a ser compreendido, que alguém é capaz de percebê-lo, manifestando-se mais satisfeito com o ambiente criado.
O calor humano é outro ingrediente importante. O calor humano, por parte do terapeuta, desperta calor humano por parte do doente. É um factor que engendra satisfação. Numa entrevista amistosa, o clínico deve acolher o doente com delicadeza, ser capaz de sorrir apropriadamente e de falar calorosamente quando for caso disso.
Estes aspectos são importantes, pois, a atitude do psiquiatra pode constituir em si própria um agente terapêutico.
Consideremos, agora, um aspecto diferente.
Em termos éticos, o clínico deve sentir o compromisso da sua profissão e a responsabilidade moral de cuidar do bem-estar físico e psicológico do doente.
Quando um médico examina um enfermo, deve aplicar o conhecimento recebido ao longo da sua preparação para cuidar da saúde daquele que observa. No entanto, na relação com o doente, tem igualmente de possuir aptidões e desenvolver atitudes que lhe permitam lidar adequadamente com tipos variados de problemas, alguns dos quais de grande delicadeza.
Vamos fazer uma alusão breve a alguns destes pontos.»

06/05/10

O FLAGELO DA PANDEMIA VIH-SIDA

O 6.º Objetivo de Desenvolvimento do Milénio visa combater o VIH-SIDA, a malária, a tuberculose e outras doenças graves, principais responsáveis pela pobreza e baixa esperança de vida à nascença nos países em desenvolvimento. Apesar de alguns progressos alcançados nos últimos anos, as principais metas definidas em 2000 para diminuir a prevalência e impacto destas doenças, nestes países, estão longe de ser atingidas.
  
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi diagnosticada pela primeira vez em 1981 e rapidamente se tornou uma espécie de peste dos tempos modernos, devido à facilidade de contágio e elevada morbilidade e mortalidade que ocasiona. Segundo dados recentes da ONU-SIDA, cerca de 25 milhões de pessoas morreram devido à SIDA desde que surgiu a doença e 60 milhões foram infectadas pelo vírus da Imunodeficiência Humana (VIH). O número total estimado de seropositivos com o VIH, no final de 2008, era de 33,4 milhões, o que representa um acréscimo de 20% em relação ao ano 2000.
 
Inicialmente associada aos chamados “grupos de risco”, nomeadamente os homossexuais, toxicodependentes e hemofílicos, as primeiras medidas de controlo foram dirigidas a estes segmentos da população. Actualmente, tendo em conta que a transmissão do vírus se faz, na maior parte das vezes, por via sexual (sobretudo heterossexual), fala-se mais em comportamentos de risco, podendo afectar transversalmente toda a população de um país ou região. Conforme refere o Professor Machado Caetano, presidente honorário da Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida”, «a pobreza, associada ao baixo nível cultural e educacional, facilita os comportamentos de risco e a disseminação da Sida que neste momento explode no grupo dos heterossexuais, mulheres e crianças e avança já pela terceira idade».
 
O continente africano, e em particular os países da África subsariana, são a região do mundo mais afectada pela pandemia VIH-SIDA. Dados recentes da Organização Mundial de Saúde referem que mais de 65% do total de seropositivos para o VIH se encontram nesta zona do globo, onde vive apenas 10% da população mundial. Em 2008, 68% do número total de novas infecções com o vírus da Sida em adultos e 91% do número total de novas infecções em crianças, nesse ano, verificaram-se nesta região.
 
A ilustração seguinte (www.worldmapper.org), em que os diversos países estão representados em função da prevalência da infecção pelo VIH, ajuda-nos a compreender a dimensão da tragédia e as suas repercussões a nível sanitário, económico, familiar e social.


O impacto causado pela infecção pelo VIH-SIDA é de tal ordem que, nos países em desenvolvimento, se tem verificado nos últimos anos uma redução da esperança média de vida da população. Ao contrário dos países desenvolvidos, em que se constata um aumento progressivo e sustentado da esperança média de vida à nascença, que é actualmente em Portugal de 75,0 anos para os homens, 81,2 para as mulheres e 78,1 para ambos os sexos, nos países mais pobres a tendência é inversa. Em Angola, a esperança média de vida à nascença passou de 47,9 anos em 1998 para 38,2 anos na actualidade (uma das mais baixas do mundo) e em Moçambique era de 45,4 anos em 1998 e presentemente não ultrapassa os 41,2 anos. Nos restantes países da África subsariana a situação é semelhante.
As crianças são um grupo particularmente vulnerável à pandemia VIH-SIDA, não só pelo elevado risco de transmissão materno-infantil, durante a gravidez, parto e amamentação, se a mãe estiver infectada e não for submetida a terapêutica antiretroviral, mas também porque mais de 14 milhões de crianças, na África subsariana, ficaram órfãos de pelo menos um dos pais, devido à doença.
 
Algumas das razões que contribuem para a maior prevalência da infecção pelo VIH-SIDA nestes países incluem factores de ordem cultural, principalmente relacionados com a sexualidade e o estatuto da mulher, de subalternidade em relação ao homem. As adolescentes são particularmente vulneráveis ao risco de contágio, por não obterem com facilidade uma fonte de rendimentos, acabando muitas vezes por se dedicarem à prostituição.
 
Do mesmo modo, a elevada prevalência de doenças de transmissão sexual e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, muitas vezes precários ou inexistentes, contribuem para a propagação da doença. Sabe-se que quem sofrer de uma doença sexualmente transmissível tem um risco aumentado (2-5 vezes) de ser infectado pelo VIH. Por outro lado, o diagnóstico e tratamento tardios da infecção aumentam a sua morbilidade e mortalidade.
 
As migrações, sobretudo por motivos laborais, são outra das causas apontadas. Os trabalhadores migrantes são geralmente homens jovens, separados das companheiras por períodos prolongados. A solidão e o isolamento aumentam a vulnerabilidade a relações sexuais promíscuas e consequentemente maior risco de contágio pelo VIH.
 
Um outro factor que contribuiu para a elevada prevalência do VIH-SIDA nesta região do globo resultou das campanhas iniciais de combate à doença terem sido dirigidas aos grupos de risco já referidos, descurando a propagação do vírus por via heterossexual e materno-infantil, muito mais comuns e generalizadas.
 
A pedra angular do tratamento da pandemia devida ao VIH-SIDA é a prevenção, centrada nas mudanças de atitude e comportamento, principalmente na área sexual. No documento elaborado por um Grupo de Trabalho sobre a Prevenção Global do VIH, constituído por um painel internacional de 50 especialistas, é enfatizada a importância das alterações do comportamento individual no combate à doença.

A política governamental de combate ao VIH-SIDA no Uganda, que tem sido considerada uma história de sucesso e um modelo a seguir, baseia-se na promoção da abstinência sexual (e, para os mais jovens, início mais tardio da actividade sexual), fidelidade ao parceiro sexual e utilização do preservativo, por esta ordem de prioridade. Neste país africano, no final da década de oitenta um terço da população adulta estava infectada com o VIH mas devido à implementação destas medidas de prevenção, a taxa de prevalência nacional da infecção diminuiu para metade no final do milénio, sendo actualmente de cerca de 7%. Já no início da década de noventa, a Organização Mundial de Saúde declarava, no Dia Mundial da Sida, que «a forma mais eficaz de prevenção da transmissão do vírus da Sida é a abstinência sexual ou a fidelidade sexual entre duas pessoas não infectadas. Em alternativa, o uso correcto do preservativo reduzirá o risco significativamente» (OMS, 1992).
 
Diversos estudos referem que a taxa de eficácia do preservativo como profilaxia da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, como a Sida, é superior a 90%, desde que seja utilizado em todos os contactos sexuais, seja de boa qualidade e a sua colocação seja correcta. Tais condições raramente se verificam no contexto africano, onde países em que a distribuição de preservativos está bem implementada, como a África do Sul, Zimbabué e Botswana, continuam a integrar o grupo dos mais afectados pelo VIH-SIDA. Deste modo, apesar da utilização do preservativo dever ser encorajada, é necessário enfatizar a importância das outras medidas de prevenção centradas na modificação do comportamento na área da sexualidade. Aliás, o principal factor de risco de se contrair uma doença sexualmente transmissível é o número de parceiros sexuais que se tem ao longo da vida e não a falta de utilização de preservativo nas relações sexuais.
 
Termino com o texto de uma campanha publicitária da responsabilidade da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, transmitida na imprensa nacional em 1994, cuja mensagem permanece actual: «A fidelidade pode estar fora de moda. Mas isto não é um anúncio de moda. Para além de outras virtudes, e até prova em contrário, a fidelidade é a maneira mais eficaz de combater a Sida. A Sida vive do anonimato e do desconhecido. E a fidelidade, esteja ou não na moda, pode ser o princípio do fim desta epidemia».