07/05/12

ABORTO E INFANTICÍDIO

A publicação de um artigo no Journal of Medical Ethics, em Fevereiro passado, com  o título “After-Birth Abortion: Why should the Baby Live?”, em que os autores  defendem que “o estatuto moral de uma criança pequena é equivalente ao de um feto, no sentido em que ambos não possuem aquelas caraterísticas que justificam que lhes seja conferido o direito à vida”, causou alguma celeuma nos meios académicos.
  
Contudo, o argumento não é recente, pois já Peter Singer, no livro Practical Ethics (1993) referia que “o facto de uma criatura ser humana, no sentido de pertencer à espécie Homo sapiens, não é relevante para determinar se é errado matá-la. São antes características como a racionalidade, a autonomia ou a consciência de si que fazem a diferença. As crianças pequenas não possuem estas características. Por isso, matá-las não equivale a matar seres humanos normais ou qualquer outro ser [não humano] consciente de si.”
  
“Encarar as crianças recém-nascidas como entidades substituíveis, tal como agora encaramos os fetos, trar-nos-ia vantagens consideráveis, superiores às que alcançámos através do diagnóstico pré-natal. Este ainda não consegue detetar todas as deficiências mais graves. Com efeito, algumas delas só se revelam após o nascimento, podendo resultar de partos extremamente prematuros ou de complicações no próprio processo de nascimento. De momento, os pais podem optar apenas entre ter o filho ou abortar, caso a deficiência seja detetada durante o período de gravidez. Contudo, não existe qualquer razão lógica para restringir o direito de escolha dos pais a estas deficiências em particular. Se entendermos que os recém-nascidos deficientes não têm o direito à vida até perfazerem, digamos, uma semana ou um mês de idade, isso permitirá aos pais, com a ajuda dos médicos, decidir acerca da vida ou da morte do seu filho com base num conhecimento da sua condição bastante mais aprofundado do que aquele que se pode obter antes do nascimento”.
  
Nessa obra, reconhece que “a mudança de atitude do Ocidente face ao infanticídio desde o tempo dos romanos é, tal como a doutrina da santidade da vida humana de que faz parte, um produto do cristianismo”.
  
A tentativa de Singer em denegrir o papel do Cristianismo na cessação das práticas criminosas de infanticídio de menores na Antiguidade poderá ter um efeito oposto, pois, na minha opinião, tal reconhecimento atesta o enorme salto civilizacional que a fé cristã ocasionou, com base no respeito pela dignidade da pessoa humana.
  
O aspeto mais positivo de toda esta discussão é o reconhecimento de que o abortamento não se distingue do infanticídio numa perspetiva ética. Pode ser que assim alguns partidários do aborto livre admitam a perversidade desta prática, considerada legal em muitos países.

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