A publicação de um artigo no Journal of Medical Ethics, em Fevereiro
passado, com o título “After-Birth
Abortion: Why should the Baby Live?”, em que os autores defendem que “o estatuto moral de uma criança pequena é equivalente ao de um feto, no
sentido em que ambos não possuem aquelas caraterísticas que justificam que lhes
seja conferido o direito à vida”, causou alguma celeuma nos meios
académicos.
Contudo, o argumento não é
recente, pois já Peter Singer, no livro Practical
Ethics (1993) referia que “o facto de
uma criatura ser humana, no sentido de pertencer à espécie Homo sapiens, não é
relevante para determinar se é errado matá-la. São antes características como a
racionalidade, a autonomia ou a consciência de si que fazem a diferença. As
crianças pequenas não possuem estas características. Por isso, matá-las não
equivale a matar seres humanos normais ou qualquer outro ser [não humano]
consciente de si.”
“Encarar as crianças recém-nascidas como entidades substituíveis, tal
como agora encaramos os fetos, trar-nos-ia vantagens consideráveis, superiores
às que alcançámos através do diagnóstico pré-natal. Este ainda não consegue
detetar todas as deficiências mais graves. Com efeito, algumas delas só se
revelam após o nascimento, podendo resultar de partos extremamente prematuros
ou de complicações no próprio processo de nascimento. De momento, os pais podem
optar apenas entre ter o filho ou abortar, caso a deficiência seja detetada
durante o período de gravidez. Contudo, não existe qualquer razão lógica para
restringir o direito de escolha dos pais a estas deficiências em particular. Se
entendermos que os recém-nascidos deficientes não têm o direito à vida até
perfazerem, digamos, uma semana ou um mês de idade, isso permitirá aos pais,
com a ajuda dos médicos, decidir acerca da vida ou da morte do seu filho com
base num conhecimento da sua condição bastante mais aprofundado do que aquele
que se pode obter antes do nascimento”.
Nessa obra, reconhece que “a mudança de atitude do Ocidente face ao
infanticídio desde o tempo dos romanos é, tal como a doutrina da santidade da
vida humana de que faz parte, um produto do cristianismo”.
A tentativa de Singer em denegrir
o papel do Cristianismo na cessação das práticas criminosas de infanticídio de
menores na Antiguidade poderá ter um efeito oposto, pois, na minha opinião, tal
reconhecimento atesta o enorme salto civilizacional que a fé cristã ocasionou,
com base no respeito pela dignidade da pessoa humana.
O aspeto mais positivo de toda esta
discussão é o reconhecimento de que o abortamento não se distingue do
infanticídio numa perspetiva ética. Pode ser que assim alguns partidários do
aborto livre admitam a perversidade desta prática, considerada legal em muitos
países.
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