O Manual de Conduta sobre a Transplantação de Órgãos de Cadáveres, que rege a atividade dos médicos do Reino Unido, refere que, depois da morte, não há qualquer objeção legal à administração de fármacos necessários para otimizar o funcionamento de órgãos a transplantar ou à realização de quaisquer exames que se julguem necessários, desde que daí advenha um benefício óbvio para terceiros.
O que é eticamente inaceitável e condenado por todos os principais códigos de ética e deontologia médicas, é a comercialização de órgãos humanos, quer sejam procedentes de dadores vivos ou de cadáveres. No artigo 21.º do capítulo VII da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, do Conselho da Europa, é claramente expresso que «o corpo humano e as suas partes não devem ser, enquanto tal, fonte de quaisquer lucros» (Diário da República, 2001).
Para Daniel Serrão (1996), «no rigor da análise ética o cadáver não constitui, nem configura, nenhum valor positivo; o único valor que se lhe atribui é um valor negativo: o da sua perigosidade para a saúde pública e o bem-estar dos vivos e, por isso, a autoridade pública regulamenta a inumação ou a cremação». Frei Bernardo (1995) defende que «a máxima dignificação dum cadáver com órgãos em boas condições, será a sua adequada utilização para transplantes, cumprindo assim, mesmo para além da morte, a natural vocação humana para a partilha solidária e gratuita».
A colheita de órgãos não constitui uma forma de mutilação do cadáver, pois não se traduz em alteração morfológica do corpo nem acarreta a sua desfiguração. Trata-se de uma intervenção cirúrgica efetuada com todo o cuidado e dignidade inerentes a qualquer ato médico. A mesma ideia encontra-se expressa no artigo 18 do capítulo IV do comentário explicativo do Protocolo Adicional da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, sobre a Transplantação de Órgãos e Tecidos de Origem Humana (2002), assinado por Portugal: «Durante a colheita, o corpo humano deverá ser manuseado com respeito e deverão ser tomadas medidas consideradas razoáveis para restaurar a aparência do corpo».
Esta situação é totalmente distinta da dos pacientes em estado terminal ou moribundos, aos quais deverão ser prestados os cuidados básicos, médicos e de enfermagem, tendo em vista a melhor qualidade de vida possível até ao momento da morte, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Tal como refere Daisy Gogliano (2000), Professora da Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo, «o ser humano, a pessoa dotada de personalidade, com aptidão genérica de adquirir direitos e contrair obrigações de ordem civil, portanto, na qualidade de sujeito de direitos, não deixa de ser pessoa como paciente terminal ou sob manutenção cardiorrespiratória assistida, quando mantida por circulação extracorpórea e respiradores artificiais, enquanto não for declarada morta. A personalidade jurídica só termina com a morte».
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