Hipócrates de Cós (460-377 a.C.) é considerado o maior dos médicos da Antiguidade e mesmo o pai da medicina. No entanto, pouco sabemos acerca da sua vida, a não ser que possuía uma mente de génio e um acutilante espírito de observação. Sabe-se que formou provavelmente a primeira Faculdade de Medicina de que há memória, juntando à sua volta um grupo de alunos interessados na arte médica. O contributo fundamental de Hipócrates para a medicina deve-se à coletânea de textos que lhe são atribuídos (embora muitos, se não todos, tenham sido escritos pelos seus discípulos), que abordam questões de ordem clínica, ética e profissional da prática médica. Mas a sua influência mais marcante reside no denominado Juramento Hipocrático, que modificou radicalmente os conceitos básicos da medicina da Antiguidade. O Juramento de Hipócrates, embora de raízes pagãs, foi posteriormente adotado na Europa ocidental, pois os seus princípios coincidiam com os do cristianismo, bem como pelos árabes e, mais tarde, pelos eruditos do Renascimento.
Os historiadores sugerem que um dos fatores responsáveis pela criação deste Juramento era a atitude de suspeição generalizada dos médicos, prevalente na sociedade de então. Os médicos gregos possuíam um conhecimento vasto de uma panóplia de remédios, poções e venenos letais; tinham acesso às residências particulares e efetuavam observações íntimas e procedimentos estranhos na privacidade do lar; e eram também sabedores de muitos segredos e confidências pessoais dos seus doentes. Não será por isso de estranhar que fossem encarados com alguma desconfiança pela sociedade.
O código ético definido neste documento só faz sentido à luz do compromisso triplo do médico para com o seu mestre (que o introduziu na arte da medicina), para com os seus doentes e, acima de tudo, para com o(s) seu(s) Deus(es). O ensino da medicina só seria outorgado aos alunos que assumissem o compromisso de obedecerem aos valores expressos no Juramento.
A ética hipocrática é, pois, claramente teísta, o que torna o Juramento um código de conduta absoluto e “não-negociável”. O médico não obedece a este sistema de valores apenas porque prometeu ao seu mestre fazê-lo, ou por estar pessoalmente convencido que determinada ação é incorreta, mas sim porque prometeu a(os) Deus(es) cumpri-lo, e esse compromisso solene é irrefutável.
O Juramento contém certos princípios éticos fundamentais, nomeadamente de beneficência, não-maleficência, competência e confidencialidade, integridade, bem como proibições claras contra a prática do aborto, da eutanásia ou de comportamentos indignos com os doentes. Exorta também o médico a exercer a sua arte com pureza e honestidade, defendendo assim claramente uma ética das virtudes.
[Excerto do artigo “Em Defesa de Uma Medicina Hipocrática”, que publiquei na revista Arquivos de Medicina, vol. 14, pp. 174-176, 2001]
Sem comentários:
Enviar um comentário