05/07/11

SOBRE O JURAMENTO HIPOCRÁTICO

Hipócrates de  Cós (460-377 a.C.) é considerado o maior dos médicos da Antiguidade e mesmo o pai da medicina. No entanto, pouco sabemos acerca da sua vida, a não ser que possuía uma mente de génio e um acutilante espírito de observação. Sabe-se que formou provavelmente a primeira Faculdade de Medicina de que há memória, juntando à sua volta um grupo de alunos interessados na arte médica. O contributo fundamental de Hipócrates para a medicina deve-se à coletânea de textos que lhe são atribuídos (embora muitos, se não todos, tenham sido escritos pelos seus discípulos), que abordam questões de ordem clínica, ética e profissional da prática médica. Mas a sua influência mais marcante reside no denominado Juramento Hipocrático, que modificou radicalmente os conceitos básicos da medicina da Antiguidade. O Juramento de Hipócrates, embora de raízes pagãs, foi posteriormente adotado na Europa ocidental, pois os seus princípios coincidiam com os do cristianismo, bem como pelos árabes e, mais tarde, pelos eruditos do Renascimento.
 
Os historiadores sugerem que um dos fatores responsáveis pela criação deste Juramento era a atitude de suspeição generalizada dos médicos, prevalente na sociedade de então. Os médicos gregos possuíam um conhecimento vasto de uma panóplia de remédios, poções e venenos letais; tinham acesso às residências particulares e efetuavam observações íntimas e procedimentos estranhos na privacidade do lar; e eram também sabedores de muitos segredos e confidências pessoais dos seus doentes. Não será por isso de estranhar que fossem encarados com alguma desconfiança pela sociedade.
 
O código ético definido neste documento só faz sentido à luz do compromisso triplo do médico para com o seu mestre (que o introduziu na arte da medicina), para com os seus doentes e, acima de tudo, para com o(s) seu(s) Deus(es). O ensino da medicina só seria outorgado aos alunos que assumissem o compromisso de obedecerem aos valores expressos no Juramento.
 
A ética hipocrática é, pois, claramente teísta, o que torna o Juramento um código de conduta absoluto e “não-negociável”. O médico não obedece a este sistema de valores apenas porque prometeu ao seu mestre fazê-lo, ou por estar pessoalmente convencido que determinada ação é incorreta, mas sim porque prometeu a(os) Deus(es) cumpri-lo, e esse compromisso solene é irrefutável.
 
O Juramento contém certos princípios éticos fundamentais, nomeadamente de beneficência, não-maleficência, competência e confidencialidade, integridade, bem como proibições claras contra a prática do aborto, da eutanásia ou de comportamentos indignos com os doentes. Exorta também o médico a exercer a sua arte com pureza e honestidade, defendendo assim claramente uma ética das virtudes.
 
[Excerto do artigo “Em Defesa de Uma Medicina Hipocrática”, que publiquei na revista Arquivos de Medicina, vol. 14, pp. 174-176, 2001]

04/07/11

O JURAMENTO HIPOCRÁTICO


Juro por Apolo médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomando por testemunhas todos os deuses e deusas, que cumprirei com todas as minhas posses e em plena consciência os seguintes preceitos: respeitarei os meus mestres tanto como os meus progenitores, partilhando com eles os meus bens, se necessário for; cuidarei dos seus descendentes como meus irmãos e ensinar-lhes-ei esta arte, se assim o pretenderem, sem receber qualquer pagamento e sem restrições; deixarei participar das lições orais e da prática médica em primeiro lugar os meus filhos, os filhos dos meus mestres e depois aqueles que, por compromissos e juramentos, se declarem meus discípulos e acatem as regras da profissão, e a mais ninguém além deles. Prescreverei aos enfermos, segundo o melhor juízo e o meu saber, o regime conveniente para seu benefício, preservando-os de qualquer dano. Defender-me-ei das súplicas e dos agrados de quem quer que seja para lhes ceder venenos que possam causar a morte, nem tomarei a iniciativa de tal sugestão. Do mesmo modo, não fornecerei às mulheres meios de impedir a concepção ou o desenvolvimento da criança. Em todas as circunstâncias exercerei a minha arte com pureza e honestidade. Não ousarei praticar a operação da pedra, mesmo nos enfermos em que a doença seja manifesta, confiando-os aos que se ocupem especialmente dessa prática. Em qualquer lar em que entre, terei apenas em mira o proveito dos doentes, abstendo-me de toda a acção prejudicial e corruptora, sobretudo quanto a voluptuosidade nos contactos com homens ou mulheres, sejam livres ou escravos. Tudo do que tiver dado fé, durante a cura ou fora dela, na vida familiar, conservá-lo-ei secreto, se não me for permitido divulgá-lo. Se eu mantiver e observar este juramento com fidelidade, que me sejam concedidas vida afortunada e honra na profissão, e que a minha fama se propague entre os homens e perdure no tempo; mas se eu me desviar dele ou o violar, que a sorte me seja adversa.
 
[Fernando Namora, in Deuses e Demónios da Medicina. Vol. 1. Ed. Círculo de Leitores, 1977].