Cada um de nós tem em si um sonho de eternidade.Por isso, quando um homem e uma mulher se encontram numa promessa de amor, assumem sem limites a perenidade do seu encontro embora a fragilidade de cada um e o passar dos anos acabe por mostrar como essa certeza de permanência é muitas vezes efémera.
Não admira, pois, que o desejo do filho apareça como um sinal que levará para além do tempo o compromisso do seu encontro.
É certo que esse desejo nem sempre é imediato e espontâneo, já que o casal se confronta com incertezas pessoais ou económicas quanto ao futuro, ou vive num certo egoísmo a dois que secundariza o filho. Com estas ou outras razões a ideia do filho, às vezes, acaba por ser afastada para momento mais oportuno.
Talvez por isso mesmo a primeira grande intervenção da tecnologia na reprodução começou por procurar restringir os nascimentos e não por promover a fecundidade.
Inicialmente a reflexão teórica predominante começou por ser puramente económica e social, como parece claro no discurso do banquete escrito por Malthus, já em 1798 na primeira edição do seu “Ensaio sobre a População”.
Aí defendia-se a limitação dos nascimentos como reflexo dum terrível egoísmo económico. Reproduzo o pensamento de Malthus quando disse que ...”num mundo já possuído, os vindouros (os filhos), de cujo trabalho a sociedade não necessita, só vêm perturbar a ordem estabelecida do grande banquete da natureza, obrigando à partilha não desejada dos alimentos, sempre limitados e já de si escassos. Como não há lugares vagos, mesmo se alguns convivas se apertem para lhes dar espaço, é melhor mandá-los embora antes que novos intrusos apareçam perturbando a alegria da sala com a sua penúria (...)”. Porém, como o método de contracepção preconizado era a redução ou mesmo abstenção das relações sexuais, e como eram pouco conhecidos os dias de infertilidade, o nascimento dos filhos continuou mais ou menos incontrolado.
Mas por muito pouco que este discurso do banquete seja hoje conhecido, nem por isso a ideia de que o filho não era inevitavelmente um bem deixou de continuar a influenciar os casais dos nossos dias. A ideia, que hoje se sabe errada, de que o aumento da natalidade, a chamada "bomba demográfica", provocava grande penúria económica e não o crescimento da economia fazia do filho um mero custo sem benefícios.
Mais tarde, a tecnologia, ao conseguir a determinação mais exacta dos períodos de fecundidade no ciclo feminino mas, principalmente, com a melhoria dos métodos de barreira, e de contracepção química e medicamentosa, iniciou a separação, hoje cada vez mais evidente, entre a fertilidade e a relação sexual.
Ao mesmo tempo o progresso dos direitos da mulher também ajudou a modificar o seu modo de vida que deixou de ser quase unicamente ditado pela procriação e pela educação dos filhos. A profissionalização que foi conseguindo tornou possível a sua legítima realização através de uma carreira que lhe dava satisfação, prestígio e autonomia económica. De certo modo esta evolução alterou o sentido do seu desejo de um filho até ali vivido, pelas mulheres que não tinham optado pelo celibato duma vida religiosa, como a concretização da sua dignificação como pessoa.
Deste modo o filho começou a correr o risco de deixar de ser desejado pelos dois como um dom que, embora nem sempre esperado, se procurava acolher. Pelo contrário, prevalecia a ideia do filho, idealmente perfeito, que só deveria ter direito a nascer quando racionalmente programado para um mundo onde a sua força produtiva fosse útil, numa espécie de complemento de outros elementos de realização do casal.
Porém, desde logo, as possibilidades de limitar os nascimentos levantaram algumas decisões de cariz ético. Na verdade alguns métodos impedem a nidação e destroem o embrião após a união singâmica do óvulo e do espermatozóide, como acontece com alguns dispositivos intra-uterinos e certos tipos de pílulas, principalmente na chamada "contracepção de emergência". Nestes casos, a morte embrionária configura-se como a destruição indiscriminada duma vida humana. Este filho coisa, que se elimina porque não é oportuno ou porque tem qualquer malformação, representa a negação de toda a riqueza contida no desejo do filho vivido na esperança.
Porém, para além destes problemas éticos, a contracepção tornou obrigatório um discernimento centrado no interesse do filho.
Para ele, será melhor que o casal tenha melhores condições económicas e dentro delas qual o critério para as considerar no limite ideal? Será prioritária que a ocupação dos pais lhes permita uma maior presença junto do filho mesmo à custa duma perda no salário? Será necessário que haja uma casa maior, uma maior estabilidade emocional e uma maior segurança conjugal? Será desejável ter um, dois, três ou mais filhos e com que diferença de idade?
Introduz-se assim um mundo de racionalidades que têm o mérito de criar o diálogo conjugal sobre um filho que nasce primeiro no pensamento dos pais do que no útero materno. Porém este imaginário corre o risco de fazer do filho alguma coisa de tal modo antecipadamente idealizada que dificultará o encontro com a pessoa real que ele um dia terá de ser.
Além disso, talvez diminua a capacidade para aceitar uma falha do método de contracepção e a gravidez inesperada, ou mesmo uma eventual e não previsível gravidez gemelar. E como não considerar nervosa e precocemente como esterilidade uma concepção, que uma vez decidida, se não concretiza?
Porém a maioria dos casais vê a tecnologia da contracepção como uma mera técnica que evita o nascimento do filho ou que permite o filho único, esquecendo muitas ponderações éticas que aqui foram feitas.
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