Mas a grande intervenção tecnológica dos nossos dias na área da maternidade/paternidade foi a reprodução medicamente assistida. Curiosamente foi no meio dum mundo dominado pela contraceção que o sofrimento da esterilidade impulsionou o enorme salto das técnicas de reprodução humana.
Quando há pouco mais de 20 anos nasceu Louise Brown (o primeiro bebé a ser formado in vitro), o filho ainda embrião passou a ser acessível aos médicos e aos cientistas. O que até ali não era mais do que um sopro de vida nascido duma relação amorosa, dissimulado nove meses na profundidade do corpo materno, passou a ser visível e aparentemente controlável. Controlável pelo progresso da ecografia que o permitia visualizar, tornando-se um dos métodos do chamado diagnóstico pré-natal de doenças e anomalias cada vez mais sistemático e menos invasivo.
Aos casais estéreis foi anunciada a certeza de que, através da técnica, a esperança de que a sua vida e o seu amor se poderiam concretizar num descendente perfeito que lhes estava geneticamente ligado. Contudo esta possibilidade de manipulação de duas células para delas nascer uma nova vida humana colocou alguns problemas a toda a complexa formulação do desejo do filho.
O primeiro foi o da intromissão da tecnologia na intimidade relacional do casal que se pretende unido numa pessoa conjugal. A colheita de espermatozoides, a estimulação ovárica, a colheita do óvulo, a introdução dos gâmetas, do zigoto ou do embrião na cavidade uterina são próteses muitas vezes chocantes que culminam toda a anterior contrafação de exames e de investigações sobre uma vida a dois, que sempre tinham sonhado como livre, íntima e espontânea. Só um profundo amor conjugal aliado a uma grande humanidade da equipa que trata a esterilidade permite superar, sem feridas psicológicas, todo este longo caminho algumas vezes com insucessos sucessivos sempre possíveis com uma técnica que dá 20 a 25% de êxitos.
Depois, a confirmação de que havia uma infertilidade de causa masculina cada vez mais importante, conduziu ao recurso a bancos de esperma inicialmente protegidos por um anonimato que hoje praticamente nenhuma legislação atual já defende. De resto o avanço técnico que permite a fecundação por injeção intracitoplasmática com espermátide do marido, apesar de algumas dúvidas quanto ao futuro filho, cada vez mais os torna desnecessários.
Mais tarde foi possível congelar igualmente ovócitos, para utilizar em mães que os não possuíam, repetindo deste modo o mesmo tipo de manipulações atrás sugeridas.
Começou a criar-se assim a possibilidade duma enorme dissociação entre o pai e mãe genéticos e os pais em cuja intimidade tinha nascido a ideia dum filho. Essa dissociação era ainda muito grosseira quando se utilizava, para se conseguir uma gestação, um outro útero que não o da mãe genética (como aconteceu com as chamadas mães hospedeiras, benévolas ou pagas), ou se prescindia mesmo dum pai pessoal para gerar um filho numa mulher que tinha decidido substituir a presença masculina por um pouco de esperma anónimo ou mesmo esperma dum pai, já morto na altura da fecundação. A paternidade perdia muito do seu sentido de encontro de pessoas para se identificar com simples encontro de células.
O congelamento de embriões para os utilizar mais tarde, criou depois verdadeiros embriões do frio, que podiam permanecer eternamente órfãos de pais na solidão das arcas de ultracongelação. Abriu-se, assim, caminho à ideia de utilizar muitos destes embriões abandonados para experiências de carácter puramente especulativo coisificando mais esse começo de vida humana.
A seleção de embriões por diagnóstico pré-implantatório após fecundação in vitro, para escolher os sãos, ou de um único sexo, pode ter conotações eugénicas. E só os progressos no desenvolvimento de embriões in vitro, levou a não implantar no útero mais do que um ou, no máximo, dois embriões, como as legislações mais modernas agora impõem, tornando inútil a eliminação de alguns pela chamada redução embrionária.
Também aqui, uma tecnologia que tinha por fim responder ao desejo dos pais, criando uma nova vida, deixou que subtilmente nela se introduzisse uma cultura de morte, de que hoje com muita dificuldade se está a libertar.
Assim, os desvios no tratar a esterilidade, dentro dum espírito de amor mútuo do casal que via no filho alguma coisa que ultrapassava a relação genital, tornaram obrigatória uma profunda reflexão ética sobre o filho que se deseja.
Mas será que o filho representará a única e verdadeira fecundidade conjugal?
Ora a grande verdade é que, amar o outro, é ter esperança nele, é acreditar que cada um tem sempre mais futuro do que passado e é nesse acreditar que acaba por estar o grande e verdadeiro sentido da fecundidade gerada pelo casal.
O desejo do filho está contido nesse mesmo apelo permanente da esperança. Só assim ele será verdadeiramente assumido como dom, criado para uma autonomia. Por isso a técnica que admite a sua programação excessiva pode ameaçar o futuro a que ele tem direito já que, ter um filho, é um aceitar o risco da sua liberdade realizada no tempo.
Os limites éticos, quer do controle da natalidade, quer na procura duma fecundidade genética, passam assim também pela recusa de toda a obstinação terapêutica. Só essa atitude fará com que a tecnologia ligada à procriação deixe de ser a verdadeira senhora do homem futuro e não a grande servidora do seu bem e da sua dignidade.
Na verdade, o controle de natalidade ou a cura da infertilidade não podem fazer do filho uma simples terapêutica que satisfaça qualquer desejo dos pais. Pelo contrário ele tem o direito de esperar que vai ser acolhido por quem pensa nele mais como um ser para os outros, do que um filho para si.
Isto implica também que os pais sejam capazes de assumir a dois os limites, quer à riqueza da natalidade, quer à pobreza da infertilidade, em que não poderão ser separados, mesmo quando a esterilidade é só atribuível a um deles.
A intromissão da equipa técnica que intervém na génese dum filho de procriação assistida tornará obrigatório que ele seja, de certo modo, adotado. Viverão assim, com o seu filho genético, um sentir semelhante ao de uma adoção de um embrião congelado ou de uma criança abandonada.
Deste modo as descobertas tecnológicas e o modo de sonhar o filho têm vindo a interagir entre si. Esta interação tem mostrado, principalmente neste campo, de que modo o progresso da ciência é sempre ambíguo na sua utilização.
Nuns casos tanto permitiu espaçar esse sonho para proporcionar aos filhos melhores condições de autonomia futura como também pode impedir o seu nascimento para manter um egoísmo dum casal que recusa os filhos ou quer um filho único, como um consolo de custos limitados.
Noutros casos, a tecnologia aparece como a grande porta para acabar com uma infertilidade que exacerba o desejo do filho. Mas também essa técnica aplicada ao homem deve aceitar os seus limites. Primeiro os limites ligados ao respeito pela dignidade do casal que se assume unido numa só pessoa conjugal. Depois os limites que são inerentes à vida de um embrião visto desde sempre como um filho dos dois que deverá ser tanto mais defendido quanto mais o sabem cheio de vulnerabilidades.
A técnica será obrigada a descobrir os caminhos que mantenham estes critérios éticos fundamentais sem que o desejo do filho nunca o possa transformar num direito dos pais.
Com este objetivo a balizar-lhe o crescimento ela ajudará a descobrir que o verdadeiro sentido desse desejo só se realizará quando eles virem que o grande dom que ele lhes oferece está na descoberta de que são livremente dependentes daquele que irá nascer. Só isso lhes permitirá aprender a crescer com eles aceitando todas as fragilidades de quem se sabe finito.
Ao viver este caminho até à sua morte pessoal, na incerteza, na dúvida, mas também na esperança, os pais poderão assumir que o desejo do filho, muito mais do que um princípio genético, tem de conter em si a fonte de um amor em que eles serão o rosto visível do futuro.
Aprenderão assim nesta relação nova, que irá perdurar para lá da morte, a grande resposta ao apelo de infinito inscrito desde o primeiro momento no genoma humano.