Há quem conceba o envelhecer como
doença, daí decorrendo a marcha progressiva para a morte. A aceitar essa perspetiva,
pode admitir-se que, do mesmo modo como temos vindo a tratar e curar cada vez
mais doenças, também o envelhecimento será curável ou prevenível. Então, será o
Homem potencialmente imortal? Os teólogos já sabiam da imortalidade do Homem,
mas o que aqui se pondera é a imortalidade do corpo humano, a imortalidade
biológica. Esta perspetiva vai ao arrepio do que é a experiência humana ao
longo dos milénios. Isso mesmo vimos em Séneca que afirmava ser a velhice uma
doença incurável. Neste contexto, poderíamos citar também Heidegger e a sua famosa frase “Sein zum
Tode”, exprimindo igualmente a ideia de que o Homem é um ser para a morte (ou
que está à morte, segundo outra tradução). Também Galeno na Grécia, o chinês Ge
Hong, que viveu no séc. IV, Roger Bacon, já do séc. XIII, e muitos outros
antigos acreditaram na imortalidade do Homem. Mas como acentuou Olshansky, o
que há de comum a todos eles é que estão mortos. Nos nossos dias, tornou-se
célebre Aubrey de Grey, geneticista de Cambridge, porventura o mais mediático
dos defensores desta potencial imortalidade, que afirmou: “a maioria das
pessoas que hoje têm 40 anos ou menos, pode esperar viver séculos” e também “a
primeira pessoa a viver 1.000 anos pode ter neste momento 60 anos”.
A nível celular a imortalidade
não surpreende: aí a temos nas células tumorais, ainda que a prazo elas levem à
morte da pessoa, embora não através de um mecanismo de envelhecimento.
Contrapondo-se à ideia de que tudo no universo envelhece, há quem traga à
colação argumentos colhidos em diferentes formas de vida. Na verdade, certas
plantas têm uma longevidade de milhares de anos. Assim, na Tasmânia,
descobriu-se uma espécie de azevinho, a lomatia
tasmanica, com 43000 anos e nada indica que ela venha a morrer. Também nos
vertebrados há longevidades surpreendentes. A tartaruga gigante, como é
sabido, vive centenas de anos e há
especialistas que julgam poder ir até aos 5000 anos. Por sua vez, a lagosta
nunca mostra sinais de envelhecimento e há especialistas que admitem ser ela
intrinsecamente imortal e que só morre
porque algo exterior a impediu de viver.
Ela cresce sempre, o que complica a sua vida, pois torna-se mais visível
aos predadores. A lagosta nunca perde a fertilidade; pelo contrário, torna-se
mais fértil à medida que os anos passam.
O gene FoxO tem sido relacionado
com a capacidade de não envelhecer. Um dos dados mais recentes a sustentar esta
relação foi encontrado na hydra, um animal da classe dos protozoários,
considerado potencialmente imortal e que tem sido objeto de estudos sobre a
senescência. Julga-se que a sua faculdade de manter células estaminais com
permanente capacidade de proliferação ao longo da vida está na base dessa
ausência de envelhecimento. Um estudo publicado no final do ano passado mostrou relação entre a capacidade
proliferativa das células estaminais e o gene FoxO. Ora, nos seres humanos
centenários, têm sido encontrados altos níveis funcionais desse gene.
Os resultados que referi parecem
sustentar a conjetura da potencial imortalidade do Homem, mesmo sabendo que não
é possível transpor linearmente para a espécie humana o que se verifica noutras
espécies, sobretudo nas mais afastadas no leque evolutivo. Mas ainda que se
confirmasse esta muito discutida hipótese, a sobrevivência do Homem seria
sempre limitada por causas externas – acidentes, condições ambientais, etc. –
que, como postulou Medawar, atuariam determinando uma redução dos sobrevivos
segundo um ritmo constante e inexorável (o chamado declínio exponencial),
incompatível com uma existência perene.
Como sublinha Olshansky, que
contesta o mito da imortalidade, “na gerontologia nada indica que se cumpra a
promessa de uma vida extraordinariamente prolongada” e, de facto, a idade máxima atingida pela
vida humana tem-se mantido com muito pequena variação ao longo da história, com
a francesa Jeanne Calment a atingir a idade de 122 anos e 5 meses, o máximo
conhecido até hoje.
Prof. Doutor Henrique Vilaça
Ramos
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